São Paulo, quarta-feira, 27 de outubro de 2004

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O IMPÉRIO VOTA - RETA FINAL

Para John Mearsheimer, da Universidade de Chicago, se vencer, Kerry agirá da mesma forma que Bush em relação a Iraque e Israel

Política externa não muda, diz analista

CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

Vença John Kerry ou permaneça George Bush, a política externa americana não muda. Kerry, se eleito, manterá a ocupação do Iraque e fará tudo o que for possível para instalar um governo pró-americano, apesar de a derrota dos EUA no conflito ser inevitável. O prognóstico é do cientista político e ex-oficial da Força Aérea americana John Mearsheimer, diretor do Programa sobre Política de Segurança Internacional da Universidade de Chicago.
"O resultado eleitoral não terá muita influência sobre o curso da guerra ou a política para Israel", diz Mearsheimer, 55, autor de "The Tragedy of Great Power Politics" (a tragédia da política de grande potência), em que aponta desafios à hegemonia dos EUA.
Mearsheimer concedeu entrevista por telefone à Folha. Leia os melhores trechos.
 

Folha - Ainda existe uma maneira de sair do Iraque que seja honrosa tanto para os americanos quanto para os iraquianos?
John Mearsheimer -
Não. Os EUA explodiram qualquer oportunidade que porventura tenham tido de criar um Iraque estável e de sair rapidamente. Estão destinados a perder a guerra.

Folha - John Kerry disse que convocará conferência internacional para conquistar o apoio de um número maior de países para a ocupação do Iraque. Pode funcionar?
Mearsheimer -
Não. Não acredito que nenhum país que possa ajudar os EUA esteja disposto a fazê-lo. A guerra é muito impopular e, mesmo se não fosse, poucos países mandariam seus soldados para uma zona de tiro livre onde eles serão alvo fácil.

Folha - A guerra está destinada a acabar como a do Vietnã?
Mearsheimer -
Sim. As três melhores analogias para a guerra no Iraque são os EUA no Vietnã, a União Soviética no Afeganistão e os israelenses no Líbano. Nos três casos, as forças invasoras tiveram inicialmente vitórias militares rápidas, mas acabaram derrotadas por uma insurgência contra a qual não tinham estratégia. O Iraque é uma causa perdida.

Folha - Quando será inevitável dizer isso aos americanos?
Mearsheimer -
Minha impressão é que não haverá um momento específico, mas que lenta e continuamente haverá uma erosão cada vez maior do apoio à guerra dentro dos EUA e da coalizão internacional, até que fique claro que é hora de sair.

Folha - O conflito israelo-palestino não foi mencionado nos debates entre Bush e Kerry.
Mearsheimer -
É chocante que nenhum dos dois candidatos tenha tocado no assunto, mas a explicação é simples: ambos têm medo de perder o voto da comunidade judaica. É pura política interna. Mas o apoio americano a Israel é central na alimentação do terrorismo contra nós.

Folha - Se Kerry vencer, sua política em relação a Israel será diferente da de Bush?
Mearsheimer -
Dificilmente. O fato é que nenhum presidente americano fará pressão significativa sobre os israelenses.

Folha - Significa que a única superpotência não tem por ora nenhum líder com visão estratégica?
Mearsheimer -
Em termos de política externa, não fará muita diferença se a eleição for vencida por Bush ou Kerry. A invasão do Iraque transformou o Oriente Médio no foco principal da política externa e o resultado eleitoral não terá muita influência sobre o curso da guerra ou sobre a política para Israel. Kerry vai atuar como Bush: ficar no Iraque e fazer tudo o que for possível para criar um governo pró-americano. A única diferença é que o democrata vai tratar os aliados com mais respeito e as relações com a Europa vão melhorar. Mas ser bonzinho não bastará para convencer os europeus a enviarem tropas para lá.

Folha - Parte do que se chama de "terrorismo global" pode ser relacionada a questões nacionais, caso de tchetchenos e palestinos.
Mearsheimer -
Esqueça os palestinos e os tchetchenos. O que eles estão tentando fazer é criar seu próprio Estado. Isso é nacionalismo. O caso interessante é a Al Qaeda. Muitos dizem que a Al Qaeda é uma ameaça ao sistema de Estados. Não há dúvida de que ela é um ator não-estatal, mas seu principal objetivo é provocar mudanças no sistema de Estados, não derrubá-lo. A Al Qaeda está interessada em afastar os EUA do Oriente Médio, em primeiro lugar, e, em segundo, em mudar os governos da região.

Folha - O modo com que o terrorismo é em geral apresentado falseia a realidade?
Mearsheimer -
Quando os EUA falam em "terrorismo global" e concluem que os palestinos, por exemplo, estão no mesmo campo da Al Qaeda, isso é uma fórmula para o desastre. O que os EUA deveriam fazer é se concentrar no conflito israelo-palestino e fazer o possível para que haja um acordo, para que os palestinos tenham um Estado viável. Tratá-los como equivalentes da Al Qaeda só piora o conflito e agrava o terrorismo.

Folha - O sr. afirma que é do interesse americano evitar que a China se torne hegemônica na Ásia. A invasão do Iraque desviou os EUA de prioridades de política externa?
Merasheimer -
A China não importa muito neste momento porque é uma ameaça distante. O principal problema atual é a Coréia do Norte. Quando a colocaram no "eixo do mal" com o Iraque e o Irã e depois invadiram o Iraque, os EUA enviaram aos norte-coreanos e aos iranianos a mensagem de que, se não quiserem terminar como o Iraque, é melhor terem armas nucleares.

Folha - O fato de a única superpotência ter iniciado uma guerra que a desmoralizou é ruim para o equilíbrio global?
Mearsheimer -
Antes da invasão, os EUA eram realmente poderosos e tinham um sentido de missão. Estavam determinados a invadir não apenas o Iraque, mas outros países. Não acredito que isso criaria estabilidade. Então, o lado bom da história é que eles não estão mais livres para invadir o Irã, a Síria ou a Coréia do Norte.

Folha - Seus pontos-de-vista não parecem os de um conservador.
Mearsheimer -
É muito importante entender que o governo Bush não tem uma política externa conservadora. Sua política externa é radical. Minha análise sobre o governo Bush é a de um conservador, que é muito mais prudente sobre o uso da força. Quem tenta redesenhar uma região inteira do mundo pelas armas é por definição um radical. O plano inicial era criar democracias em todo o Oriente Médio. O Iraque era apenas o primeiro passo. Isso é engenharia social numa escala nunca vista antes. Isso não é uma política conservadora.


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