São Paulo, quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

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HAITI EM RUÍNAS

Governo banca êxodo sem volta da capital

Saída em massa de habitantes alivia a normalmente congestionada e agora praticamente sem empregos Porto Príncipe

Autoridades reconhecem que estratégia é paliativa e que é preciso investimento na infraestrutura do interior para manter a população lá


FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE

Num intervalo de apenas duas semanas desde o terremoto, quase 1 em cada 10 habitantes de Porto Príncipe abandonou a cidade rumo ao interior do país. Muitos saíram com ajuda do governo haitiano, que vem acompanhada de um conselho: se puder, não volte mais.
A última estatística, divulgada anteontem, registra que 236 mil pessoas saíram da capital. Antes do terremoto, a estimativa de população da cidade variava entre 2,5 milhões e 3 milhões (há anos não é feito um censo no Haiti).
"Estamos dando ônibus de graça para as pessoas que querem sair", confirma a ministra da Informação, Marie Laurece Lassegue. "Se puderem se estabelecer definitivamente fora da capital, será bem melhor", afirmou ela à Folha.
De uma certa forma, a saída em massa de habitantes é um alívio para uma metrópole congestionada e agora praticamente sem empregos. Mas a política oficial do governo de incentivo à migração interna pode apenas estar transferindo o problema, alerta a ONU.
"Autoridades locais indicam a necessidade de suporte médico, comida e segurança para essas áreas. Há também aumento na criminalidade", diz um recente relatório da organização. Há ainda o risco de aumento da pressão sobre as parcas terras próprias para agricultura.
A ministra admite que o problema existe. "Para que as pessoas fiquem no interior, é preciso haver um mínimo de infraestrutura. Estamos trabalhando com a ONU nisso."
Desde o início da semana, o ritmo de saída de habitantes caiu um pouco. Ainda assim, se mantém em torno de mil pessoas por dia.
No local que passa pelo terminal de ônibus intermunicipal da capital, num movimentado cruzamento do centro, ônibus saem apinhados a todo momento.
"Minha casa rachou, então não tenho mais onde ficar. Vou para a casa de primos", diz Junior Duvivier, que viajava para Cap Haitien, no extremo norte do país.
Ele não quis esperar por uma passagem de graça do governo. Pagou por ela 500 gourdes (cerca de US$ 10), um valor altíssimo para padrões locais, ainda mais tendo em conta o desconforto da viagem.
Os ônibus são relíquias americanas dos anos 50, muitos pintados em cores psicodélicas. Os bancos são rasgados, o ar-condicionado é inexistente, e o sistema de suspensão há muito é inapropriado para as péssimas estradas do país -cujo estado piorou após a tragédia.
Mas para Gerard Therini, também passageiro do ônibus para Cap Haitien, ficar na capital não é mais uma opção. "Quero ficar fora pelo menos uns dois meses. Preciso relaxar após tanto estresse", diz ele, que tinha uma loja de material de construção que desabou.
A maioria dos que viajam fica na casa de parentes, o que, pelo menos por enquanto, não está aumentando a demanda por moradia em cidades do interior. Se essas pessoas decidirem permanecer fora da capital, no entanto, certamente haverá um problema habitacional bem mais sério.
Motorista de um ônibus alaranjado (do tipo que se vê em filmes levando crianças para a escola no interior dos EUA), Romulus Jean Renot decidiu oferecer uma alternativa ao programa oficial de doação de passagens.
Desde o terremoto, seu veículo, ainda com o letreiro "school bus" preservado, já fez três viagens levando refugiados para o interior. Foram duas para a cidade de Gonaives e uma para Arcahaie, ambas no oeste do país. Não cobrou um centavo de ninguém.
"Se eu estivesse na situação de quem perdeu suas casas, gostaria que fizessem o mesmo por mim", afirma Renot.
Além dos que fogem da capital por ônibus, um grupo privilegiado de haitianos tenta deixar o país de avião. A fila em frente à embaixada americana de Porto Príncipe, que já era grande antes do terremoto, aumentou ainda mais. A espera por uma entrevista pode durar 12 horas.
"A situação não está boa para uma criança ficar no país", afirma o advogado Louis, que enviou seu filho pequeno para Connecticut (EUA) na semana passada.


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