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EUROPA
Jovens dos subúrbios de Paris prometem violência hoje, mas não se identificam com estudantes que se opõem a lei trabalhista
França faz jornada de protestos, mas periferia segue alheia
FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A PARIS
Hoje, uma vez mais, a França vai
rugir. Na batalha que travam há
dois meses com o governo contra
uma nova lei trabalhista para jovens, estudantes e sindicalistas
prometem protestos de grande
porte e, pela primeira vez desde o
início da crise, greve.
A paralisação afetará parte dos
transportes públicos em todo o
país, assim como alguns setores
do funcionalismo e trabalhadores
da educação -a maioria das universidades já está parada. Vem
acompanhada por um indicativo
para uma outra possível greve, na
semana que vem.
A idéia é tornar insustentável a
pressão sobre o primeiro-ministro Dominique de Villepin a fim
de que ele retire o CPE (Contrato
de Primeiro Emprego), previsto
para vigorar a partir do mês que
vem. Concebida para estimular a
contratação de jovens de 15 a 26
anos, a lei foi rejeitada pela população por também diminuir encargos sociais, permitindo que o
empregado seja demitido sem
justa causa até dois anos após a
contratação.
Contaminado pelo saldo de violência que acompanhou as manifestações das últimas semanas
(mais de mil presos e centenas de
feridos), o tom do chamamento é
grave. Expressões como "Terça-feira Negra", "Dia da Virada",
"Jornada de Mobilização" e "Dia
da Ação " inundam as ruas e a mídia da França.
Em Clichy-sous-Bois, subúrbio
pobre e desolador a 20 km de Paris, não significam muito. Ali, onde no ano passado teve início a
maior revolta social dos últimos
anos no país, a percepção do atual
motim é totalmente alheia àquela
observada na classe média revoltosa da Paris intramuros.
Foi em Clichy que dois adolescentes morreram eletrocutados
ao fugirem da polícia em outubro,
incidente que serviu de estopim
para a "revolta dos incendiários",
um grito violento contra a discriminação dos jovens do subúrbio
que terminou com quase 10 mil
carros queimados e fez a França
decretar estado de emergência.
Naquela ocasião, a Folha foi
duas vezes à cidade. Ao retornar
ontem, encontrou um lugar parado no tempo. O ar carregado, a
tensão e a violência, que agora assombram Paris espasmodicamente, nunca sumiram do cotidiano de Clichy, independentemente de haver ou não novos carros queimados.
Na terça-feira passada, às 11h30
da manhã, um bando atacou um
supermercado e uma loja de bijuterias num centro comercial. Ainda há vidros quebrados no local, e
a lojinha não foi reaberta. Dias depois uma briga entre curdos e turcos, na qual uma bomba foi detonada, apavorou um bairro.
Nas manifestações de Paris, majoritariamente pacíficas, a violência vem dos "casseurs " (bagunceiros), grupos localizados e
alheios à causa, que vão às marchas só para brigar, quebrar e assaltar. Encapuzados, em sua
maioria negros e magrebinos, os
marginais, dizem os parisienses,
vêm das "banlieux" (periferias)
como Clichy.
Os moradores de lá não apenas
atestam as acusações, como justificam ou legitimam o uso da violência, a confirmarem que a guerra dos estudantes não é a mesma
guerra dos incendiários.
"Quebram e roubam para se divertir e, vá lá, também para dizer:
"estamos aqui. Vivemos na merda, ninguém liga para nós, mas
existimos". Claro que vão protestar, veja como se vive aqui ", observa Kemal, 19 anos, apontando
para um prédio aos pedaços.
"É a única forma que têm de serem ouvidos e notados", conta
Majou, 17 anos, cercada de cinco
garotos na mesma faixa etária.
Matam aula em frente ao liceu Alfred Nobel. Todos se dizem contra o CPE, mas, antes dela, afirmam ser contra todo o governo.
O diabo Sarkô
Um deles afirma que irá hoje à
capital e que vai "quebrar tudo".
Quase imediatamente surge o nome que incendeia qualquer "banlieu". "Vamos para acabar com
Sarkozy", diz um. "Sarkozy de
merda, não vai ter sossego",
emenda outro.
Nicolas Sarkozy, o ministro do
Interior linha-dura, é o diabo em
forma de gente na periferia. Aqui
talvez resida a subtrama mais interessante da crise. Para os líderes
dos protestos contra o CPE, o vilão da vez é o premiê Villepin,
mentor da lei e principal adversário político de "Sarkô" no governo, além de seu rival na corrida
para suceder o presidente Jaques
Chirac nas eleições de 2007.
À medida que Villepin se afunda com sua resistência em retirar
o CPE, Sarkozy busca ganhar capital político, e cada vez mais
abertamente. No sábado, em um
encontro de seu partido, o UMP,
fez um discurso em que apoiava
as motivações dos jovens. Ontem
exortou o governo a ampliar o
diálogo com os manifestantes.
Pode até funcionar com o grosso dos envolvidos, na Paris intramuros. Não convence as "banlieux". Foi "Sarkô" quem , no
início da revolta incendiária, chamou os jovens suburbanos de "escória" e "ralé", jogando combustível na crise.
O vilão Villepin
Villepin tampouco seduz quem
vive em Clichy, ainda que a maior
motivação do governo para criar
o CPE tenha sido justamente a rebelião do ano passado, que escancarou o agudo problema do desemprego entre os jovens franceses (de quase 23% na faixa etária,
salta para até 40% nas periferias).
Cada vez mais acossado, o premiê ontem fez um convite a sindicalistas e estudantes, com quem
iniciara um diálogo tímido no fim
de semana, para discutirem amanhã "ajustes" na lei, sem no entanto mencionar sua retirada,
única alternativa considerada pelos manifestantes.
O CPE, ao qual se opõem cerca
de 70% dos franceses, tem sido
elogiado por toda a Europa, por
supostamente marcar o início do
fim de um sistema de seguridade
social paternalista e arcaico.
Em Clichy-sous-Bois, onde esse
sistema parece nunca ter funcionado plenamente, toda a discussão faz pouca diferença.
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