São Paulo, domingo, 28 de maio de 2000


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PERU
Itamaraty atuou nos bastidores para tentar evitar isolamento do presidente Fujimori no cenário internacional
Governo brasileiro tentou legitimar "rerreeleição"

DO ENVIADO ESPECIAL

O governo Fernando Henrique Cardoso atuou nos bastidores da diplomacia internacional para tentar dar uma capa de legitimidade à "rerreeleição" do presidente peruano, Alberto Fujimori, e evitar o isolamento do Peru no cenário mundial.
O plano fracassou com a intransigência de Fujimori em aceitar o adiamento do segundo turno da eleição, que se realiza hoje.
A Folha reconstituiu as manobras do governo brasileiro na eleição peruana e a forma como FHC se colocou como único aliado externo de Fujimori. Os relatos foram colhidos no Itamaraty e na assessoria de Fujimori.
De forma discreta, o Itamaraty vem agindo em favor de Fujimori desde o final do primeiro turno da eleição (9 de abril), quando as críticas ao presidente peruano ficaram mais agudas por parte dos EUA e da OEA (Organização dos Estados Americanos).
O interesse do governo brasileiro era propor uma alternativa que pusesse fim à crise política no Peru. A proposta deveria contemplar outros dois objetivos: reforçar a posição do Brasil de líder na América Latina e diminuir a influência dos EUA.
Na avaliação do Itamaraty, com ou sem fraude no segundo turno, o candidato de oposição, Alejandro Toledo, tinha poucas chances de ganhar a eleição.
Isso porque, conforme demonstravam pesquisas de opinião, boa parte do eleitorado tinha perdido a confiança em Toledo por causa das suas seguidas ameaças de retirada da candidatura.
Assim, já que um terceiro mandato de Fujimori era quase inevitável, melhor que ele contasse com o aval da comunidade internacional. Não interessava ao governo brasileiro mais um foco de instabilidade na América Latina, que enfrenta temas mais urgentes, como o fortalecimento da guerrilha na Colômbia e o avanço do populismo na Venezuela.
O primeiro passo do governo brasileiro foi adotar uma posição inversa à da comunidade internacional, dando apoio à gestão de Fujimori. Para o Itamaraty, por exemplo, havia sido um erro a decisão do governo argentino de convidar Toledo para visitar o país no intervalo entre o primeiro e o segundo turnos.
Na ocasião, Toledo relatou as fraudes no primeiro turno ao presidente da Argentina, Fernando de la Rúa. O ex-presidente argentino Raúl Alfonsín chegou a criticar "a degradação institucional no Peru" e o "comportamento autoritário" de Fujimori.
Como parte da estratégia do Itamaraty de seguir o caminho contrário ao do governo argentino, na semana passada os três principais ministros de Fujimori foram condecorados com a Ordem do Cruzeiro do Sul -mais alta comenda do Brasil. Foram homenageados os ministros Alberto Bustamante (Gabinete Civil), Efrain Goldenberg (Economia) e Edgardo Mosqueira (Presidência, que controla a maior parte da verba de investimento do governo).
O presidente peruano entendeu que o Brasil queria assumir um papel mais importante na crise e enviou diplomatas a Brasília, em missão sigilosa. Eles receberam o sinal de que o Brasil apoiaria a soberania peruana, ou seja, acataria o resultado oficial da eleição, mesmo com críticas da comunidade internacional.
O Itamaraty alertou, no entanto, que o resultado do pleito, ainda que com reservas públicas, também deveria ser aceito pelos Estados Unidos, que baliza a posição da OEA. Na semana passada, FHC falou por telefone com o secretário-geral da OEA, César Gaviria, para negociar uma saída diplomática para a crise peruana.
A proposta do Brasil era que o segundo turno da eleição fosse adiado -como queriam Toledo, os EUA e a OEA-, mas que seu resultado fosse aceito publicamente por todos, fossem quais fossem as condições em que se desenrolassem.
Gaviria gostou da alternativa apresentada pelo Brasil e passou a articular com os EUA um acordo nos moldes imaginados pelo Itamaraty. O chefe da missão da OEA, Eduardo Stein, foi orientado a ser mais flexível com relação às exigências, fixando-se somente no adiamento do segundo turno.
Stein passou a jogar favoravelmente ao acordo e voltou atrás na decisão de interromper os trabalhos da missão observadora da OEA. Chegou a participar do teste do sistema eletrônico de cômputo dos votos na quarta e emitiu nota elogiando sua confiabilidade.
A articulação da proposta brasileira foi torpedeada na quinta pelo JNE (corte suprema eleitoral peruana, controlada politicamente pelo presidente Fujimori) com o anúncio de que o segundo turno seria mantido na data de hoje.
Ontem, o governo brasileiro divulgou nota oficial sobre a eleição peruana, na qual disse estar "acompanhando com preocupação a evolução dos fatos" no país. Afirmou ter feito "contatos com os principais atores políticos no Peru e com a OEA" e salientou que espera que o processo eleitoral respeite a democracia e "reflita a vontade do povo peruano".


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