São Paulo, domingo, 28 de maio de 2000


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ORIENTE MÉDIO
Saída israelense do sul do Líbano reformula política na região
Retirada enfraquece controle sírio

THOMAS L. FRIEDMAN
DO "THE NEW YORK TIMES"

Na última vez em que estive na "zona de segurança" israelense no sul do Líbano, eu estava sendo conduzido para os diferentes lugares por um agitado assessor de imprensa do exército israelense, em seu velho Mercedes.
Andávamos em alta velocidade em uma estrada perto de Marjayoun quando um veículo blindado de transporte de tropas pertencente ao Exército do Sul do Líbano (ESL), apoiado por Israel, se aproximou, também em alta velocidade, vindo no sentido oposto. Seu veículo derrapou e acabou arranhando nosso Mercedes. Tanto eles quanto nós andávamos tão rápido, e o veículo de transporte era tão pesado, que simplesmente arrancou fora a porta do motorista de nosso carro.
Foi essa a última imagem que tive da região ocupada pelo Exército de Israel.
A "zona de segurança" israelense no sul do Líbano era um lugar desse tipo -um pouco improvisado, um pouco maluco, em parte zona mortal, em parte teatro do absurdo, um lugar onde valia tudo.
Quem imaginava que a retirada israelense da zona pudesse ser ordeira e bonitinha simplesmente nunca esteve no sul do Líbano. Mas não se deixe levar pela confusão momentânea. Não é isso o mais importante. O importante é que a retirada israelense guarda significado geopolítico enorme para o Oriente Médio.
À sua própria maneira, o sul do Líbano vem sendo a pedra angular da política no Oriente Médio. Esse território vem mantendo um conjunto de relacionamentos e possibilitando que se evite a obrigação de responder a todo um conjunto de grandes perguntas.
E adivinhe o quê? A corajosa e estratégica decisão tomada pelo premiê Ehud Barak de promover a retirada acaba de remover essa pedra angular, e agora todos na região serão obrigados a ajustar-se à nova realidade.
Nos últimos 20 anos, a "zona de segurança" foi o lugar onde Israel e a Síria puderam travar uma guerra por procuração e descarregar seus ódios, matando libaneses em lugar de matar-se uns aos outros.
Foi o lugar onde a Síria pôde manter os combatentes libaneses do Hizbollah ocupados, de maneira que não atacassem os sírios no Líbano. Foi uma fronteira onde o Irã, atuando por meio dos guerrilheiros libaneses, pôde derramar sangue israelense.
E foi a ocupação israelense do sul do Líbano que forneceu a todos os governos árabes a desculpa necessária para tolerarem a ocupação síria do Líbano. Vejamos, entretanto, o que vai acontecer agora: a Síria, que não pode mais sangrar Israel por meio do sul do Líbano, passa a ter muito menos poder de manipulação.
Ou terá de entrar em guerra diretamente com Israel, arriscando tudo, ou terá de dar passos decisivos em direção à paz, aceitando os termos básicos estipulados pelo governo de Israel para um acordo sobre as colinas do Golã, tomadas da Síria em 1967.
O Hizbollah, enquanto isso, terá que decidir o que fazer com sua vitória. Acaba de expulsar Israel do Líbano, e isso lhe conferiu enorme prestígio.
O Hizbollah tem duas opções possíveis: levar sua investida adiante até Jerusalém e ser totalmente destroçado por Israel ou voltar-se a Beirute e usar essa vitória militar para conseguir uma parte maior do poder para governar o Líbano. Meu palpite pessoal é que o Hizbollah vai acabar voltando-se a Beirute.
Finalmente, se a fronteira entre Israel e Líbano vier a se estabilizar, Barak poderá concluir que uma retirada unilateral seria a melhor maneira de lidar também com a Cisjordânia: simplesmente traçar a linha que o governo de Israel deseja, dizer "tchau" e desistir de tentar chegar a um acordo de paz com os palestinos.
É bom lembrar o seguinte: agora que o Hizbollah expulsou os israelenses à força do sul do Líbano, será muito mais difícil para o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Iasser Arafat, ceder território a Israel ou fazer qualquer tipo de concessão. Isso lhe faria parecer um covarde aos olhos dos árabes.


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