|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Retrato do país fica fosco sem estatísticas
Governo é acusado de manipular dados; pobreza seria maior do que o relatado, e economia estaria em recessão não admitida
Também não há números
confiáveis para mensurar
a onda de violência, que
atualmente é maior foco de
preocupação dos argentinos
DE BUENOS AIRES
A Argentina que chega às
eleições de 2009 é um país de
sensações -cresce a criminalidade, avança a pobreza-, mas
carente de diagnósticos, por
não ter estatísticas confiáveis.
A degradação do sistema estatístico federal começou em
2007, ainda sob Néstor Kirchner, com troca de pessoal e metodologias no Indec (o IBGE local). A suspeita de manipulação
atinge indicadores como inflação, pobreza e emprego.
Dimensionar a criminalidade -maior preocupação dos argentinos- também é difícil.
Enquanto crescem as "ondas
de insegurança" -desde outubro, aconteceram 11 marchas
de repúdio a homicídios na
Província de Buenos Aires-, os
dados se escondem.
A página na internet da Direção Nacional de Política Criminal, vinculada ao Ministério da
Justiça, órgão encarregado de
compilar os delitos no país, foi
eliminada ao final de 2007. Voltou ao ar em fevereiro deste
ano, mas com números de
2007. "Esse atraso dificulta
muito o uso dos dados", disse a
pesquisadora Luciana Pol.
Os dados oficiais vêm de declarações do ministro da Justiça, Anibal Fernández. "A sensação de insegurança é consequência da televisão", disse em
outubro. A última taxa de homicídios dolosos informada, de
2006, é de 5,27 por 100 mil habitantes -no Brasil foi 25,7.
Ante o vazio informativo,
aparecem números privados:
aumento de 15% no roubo de
carros em 2009, avanço de 12
pontos na taxa de vitimização
-agora 32% dizem conhecer
vítimas de crimes.
Realidade x teoria
Abre-se então uma brecha
entre realidade e teoria. Quando para o governo a pobreza está no menor nível em 20 anos,
em novembro passado houve a
maior invasão de terras da periferia de Buenos Aires. Cerca de
7.500 pessoas ocuparam terreno tomado por lixo e esgoto, em
Lomas de Zamora.
Ali, a Folha encontrou, em
abril, o brasileiro César Ramirez, 30, que trocou há três anos
a pobreza brasileira pela argentina. Reclamava do desemprego. "Aqui não tem serviço."
Segundo o governo, pobreza
e desocupação mantiveram
trajetória de queda em 2008
-atingem, respectivamente,
15,3% e 8,4% da população.
Para calcular os pobres, o governo usa o custo da cesta básica, avaliado com os índices de
inflação sob suspeita. "Recalculamos o custo da cesta, e temos diferença de 50% com o
governo. Quando usamos essa
cesta, a pobreza não diminui,
mas volta a aumentar a partir
de 2007", diz o economista Ernesto Kritz, que soma 11,2 milhões de argentinos (32%)
abaixo da linha de pobreza.
Kirchner defende a intervenção no Indec. "Havia grupos no
órgão que trabalhavam para influenciar os índices."
"Hoje o problema é mais político que econômico", diz a
economista Marina Dal Poggetto, para quem o desafio do
governo é restabelecer a confiança dos investidores -o país
segue isolado do crédito privado externo desde o calote de
sua dívida, em 2001.
O governo diz que a economia cresceu 2% no primeiro
trimestre, mas informes privados apontam recessão desde
outubro. A despeito da falta de
credibilidade das estatísticas, é
consenso que a economia local,
mesmo distante dos bons tempos, está longe de uma crise.
É certo também que a retração mundial deteriorou as bases do "crescimento chinês" argentino (média anual de 8% de
2003 a 2008) -os superávits
fiscal e comercial, dólar alto e
tributos sobre exportações.
Os Kirchner vêm desde então aumentando os gastos públicos, que cresceram, em média, 31% no ano, contra 14% de
avanço na arrecadação. "Esse
ritmo não é sustentável, e o governo terá duas possibilidades:
ajuste fiscal ou obter financiamento", diz Dal Poggetto.
(TG)
Texto Anterior: Kirchner busca vitória para fortalecer governo da mulher Próximo Texto: Briga com campo custa interior aos Kirchner Índice
|