São Paulo, domingo, 28 de junho de 2009

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Retrato do país fica fosco sem estatísticas

Governo é acusado de manipular dados; pobreza seria maior do que o relatado, e economia estaria em recessão não admitida


Também não há números confiáveis para mensurar a onda de violência, que atualmente é maior foco de preocupação dos argentinos

DE BUENOS AIRES


A Argentina que chega às eleições de 2009 é um país de sensações -cresce a criminalidade, avança a pobreza-, mas carente de diagnósticos, por não ter estatísticas confiáveis.
A degradação do sistema estatístico federal começou em 2007, ainda sob Néstor Kirchner, com troca de pessoal e metodologias no Indec (o IBGE local). A suspeita de manipulação atinge indicadores como inflação, pobreza e emprego.
Dimensionar a criminalidade -maior preocupação dos argentinos- também é difícil. Enquanto crescem as "ondas de insegurança" -desde outubro, aconteceram 11 marchas de repúdio a homicídios na Província de Buenos Aires-, os dados se escondem.
A página na internet da Direção Nacional de Política Criminal, vinculada ao Ministério da Justiça, órgão encarregado de compilar os delitos no país, foi eliminada ao final de 2007. Voltou ao ar em fevereiro deste ano, mas com números de 2007. "Esse atraso dificulta muito o uso dos dados", disse a pesquisadora Luciana Pol.
Os dados oficiais vêm de declarações do ministro da Justiça, Anibal Fernández. "A sensação de insegurança é consequência da televisão", disse em outubro. A última taxa de homicídios dolosos informada, de 2006, é de 5,27 por 100 mil habitantes -no Brasil foi 25,7.
Ante o vazio informativo, aparecem números privados: aumento de 15% no roubo de carros em 2009, avanço de 12 pontos na taxa de vitimização -agora 32% dizem conhecer vítimas de crimes.

Realidade x teoria
Abre-se então uma brecha entre realidade e teoria. Quando para o governo a pobreza está no menor nível em 20 anos, em novembro passado houve a maior invasão de terras da periferia de Buenos Aires. Cerca de 7.500 pessoas ocuparam terreno tomado por lixo e esgoto, em Lomas de Zamora.
Ali, a Folha encontrou, em abril, o brasileiro César Ramirez, 30, que trocou há três anos a pobreza brasileira pela argentina. Reclamava do desemprego. "Aqui não tem serviço."
Segundo o governo, pobreza e desocupação mantiveram trajetória de queda em 2008 -atingem, respectivamente, 15,3% e 8,4% da população.
Para calcular os pobres, o governo usa o custo da cesta básica, avaliado com os índices de inflação sob suspeita. "Recalculamos o custo da cesta, e temos diferença de 50% com o governo. Quando usamos essa cesta, a pobreza não diminui, mas volta a aumentar a partir de 2007", diz o economista Ernesto Kritz, que soma 11,2 milhões de argentinos (32%) abaixo da linha de pobreza.
Kirchner defende a intervenção no Indec. "Havia grupos no órgão que trabalhavam para influenciar os índices."
"Hoje o problema é mais político que econômico", diz a economista Marina Dal Poggetto, para quem o desafio do governo é restabelecer a confiança dos investidores -o país segue isolado do crédito privado externo desde o calote de sua dívida, em 2001.
O governo diz que a economia cresceu 2% no primeiro trimestre, mas informes privados apontam recessão desde outubro. A despeito da falta de credibilidade das estatísticas, é consenso que a economia local, mesmo distante dos bons tempos, está longe de uma crise.
É certo também que a retração mundial deteriorou as bases do "crescimento chinês" argentino (média anual de 8% de 2003 a 2008) -os superávits fiscal e comercial, dólar alto e tributos sobre exportações.
Os Kirchner vêm desde então aumentando os gastos públicos, que cresceram, em média, 31% no ano, contra 14% de avanço na arrecadação. "Esse ritmo não é sustentável, e o governo terá duas possibilidades: ajuste fiscal ou obter financiamento", diz Dal Poggetto. (TG)



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