São Paulo, domingo, 28 de junho de 1998

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VIOLÊNCIA URBANA
Atual prefeito da capital colombiana estuda fechar bares e clubes mais cedo; hoje, lei obriga fechamento à 1h
Prefeitura defende fechar Bogotá às 23h

OTÁVIO DIAS
enviado especial a Bogotá

Ainda não é meia-noite e as ruas da Zona Rosa, o bairro noturno de Bogotá, estão cheias de gente. Luminosos coloridos com motivos tropicais chamam para uma noite de salsa. O ritmo caribenho se mescla à batida tecno que vaza, junto com rolos de fumaça, pelas portas entreabertas dos clubes.
Tudo parece caminhar para uma animada noite de sábado, mas pouco antes da 1h as casas noturnas desligam os equipamentos, os bares param de servir bebidas, e a diversão é interrompida.
Desde 1995, todos os estabelecimentos noturnos da capital colombiana são obrigados a fechar à 1h, em cumprimento a uma lei apresentada pelo então prefeito Antanas Mockus (95-97), com o objetivo de reduzir rapidamente o alto índice de homicídios na cidade: 74 por cada 100 mil habitantes.
O atual prefeito, Enrique Peñalosa, estuda tornar a medida ainda mais rígida a partir de julho, quando o fim da noite poderia ser adiantado para as 23h. A proposta reacendeu a polêmica em Bogotá.
"É uma lei autoritária e moralista, um toque de recolher simulado", diz a ilustradora Olga Cuellar, 39. "A violência se reduz com segurança e medidas educativas."
Segundo ela, a lei resultou na abertura de diversos bares clandestinos e muitas pessoas têm viajado para municípios vizinhos para curtir a noite até mais tarde.
Para o cientista político Alfredo Rangel, 44, pesquisador na área de violência da Universidade de Los Andes, a decisão se justifica devido à relação estreita entre o consumo de álcool e o índice de homicídios não-premeditados.
Segundo ele, essa relação se explica por um fator cultural -os colombianos teriam uma agressividade latente- e pelo grande número de armas em circulação.
"É sem dúvida uma restrição de liberdade. Imagine o Carnaval do Rio terminando às 23h. Mas havíamos chegado ao limite."
Segundo o Instituto de Medicina Legal de Bogotá, houve 3.885 homicídios na cidade em 94 (antes da lei). Em 97, foram 2.900.
Os estudantes de engenharia Oscar Ospina, 18, e Andrés Ramirez, 17, concordam com o limite da 1h.
"Nesta cidade, não há outro jeito", diz Ospina. "Acho que somos violentos por causa de toda a violência a que estamos acostumados neste país", afirma Ramirez.

Preservação da vida
O próprio ex-prefeito Antanas Mockus, 47, acha que a medida não é a solução ideal. "Mas a preservação da vida foi a prioridade de meu governo", disse à Folha.
Mockus, professor universitário de matemática, se elegeu prefeito após uma gestão polêmica como reitor da Universidade Nacional (pública), durante a qual iniciou a cobrança de mensalidade proporcional ao nível sócio-econômico do aluno e estabeleceu métodos de avaliação tanto dos estudantes quanto dos professores.
Ao propor a lei, Mockus se baseou em pesquisas que relacionavam o nível de álcool no sangue com as taxas de homicídios.
"Exames de sangue feitos em 95 mostraram que 33% dos homicídios com armas de fogo ocorridos na capital coincidiam com o consumo elevado de álcool", diz.
De acordo com os mesmos estudos, a maior parte dos crimes de Bogotá aconteciam durante os finais de semana, entre 1h e 6h.
"Em 97, após a aprovação da lei, o índice de homicídios caiu para 51 crimes por 100 mil habitantes. Foi uma conquista, mas ainda é o dobro da média na América Latina, onde ocorrem 22 homicídios por 100 mil em média", afirma.
"O colombiano é pouco sensível ao que a violência significa. Quando nos tornarmos menos violentos, voltaremos a sair à noite."



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