São Paulo, quinta-feira, 28 de agosto de 2008

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Crise complica adesão russa à OMC

Ingresso depende de acordos bilaterais com todos os membros da organização, entre eles a Geórgia

Integração de Moscou já enfrentava resistência georgiana antes de conflito; agora, EUA vêem chance de fazer pressão sobre Kremlin


MARCELO NINIO
DE GENEBRA

Os ventos de uma nova Guerra Fria trazidos pela crise no Cáucaso devem congelar por um bom tempo o processo de adesão da Rússia à Organização Mundial do Comércio (OMC), que já se arrasta por 13 anos. Nesta semana, Moscou e Washington trocaram farpas sobre as perspectivas da Rússia de integrar a entidade máxima do comércio mundial no futuro próximo -mas o fato é que elas já sofriam à sombra das tensões com a Geórgia bem antes dos últimos acontecimentos.
Num gesto interpretado como uma ação preventiva, o premiê russo, Vladimir Putin, disparou que não vê vantagens para o seu país na adesão à OMC e ameaçou rever alguns compromissos já assumidos no processo. Para muitos analistas foi um blefe de Putin, que preferiu fazer o primeiro movimento no xadrez diplomático porque já esperava que a questão da adesão à OMC se converteria em instrumento político nas mãos do Ocidente.

Meio de pressão
Carentes de recursos para colocar pressão sobre Moscou, os EUA não desperdiçaram a oportunidade. Em entrevista à imprensa alemã, o secretário americano do Comércio, Carlos Gutierrez, confirmou que as ações do Kremlin colocavam "em risco" a adesão da Rússia à organização. Diplomatas em Genebra admitiram nos últimos dias que a crise derrubou o tema para o fim da lista de prioridades na agenda da OMC.
Em tese, nenhum membro da OMC tem o poder de veto sobre a entrada de um novo candidato. Na prática, entretanto, as regras da entidade permitem que um país bloqueie o processo, já que ele envolve negociações bilaterais.
Foi o que fez a Geórgia, integrante da OMC desde 2000: para liberar o acesso da Rússia, exigia o fim do comércio de Moscou com os encraves separatistas da Ossétia do Sul e Abkházia. Algo que hoje, diante do apoio do Kremlin à independência das duas regiões separatistas, parece impensável.

Etapas para a adesão
A "ascensão" de um novo membro à OMC, como é conhecido o processo no jargão da entidade, segue quatro estágios. No primeiro, o país candidato apresenta suas práticas comerciais a uma comissão, que é aberta à participação de qualquer um dos 153 membros. No segundo, ocorrem as negociações bilaterais. Em seguida, os acordos obtidos são resumidos num protocolo de ascensão. O estágio final é a apresentação desse protocolo ao Conselho Geral da entidade, no qual é necessária a aprovação de dois terços dos membros para que a adesão seja consumada. O mais recente integrante é Cabo Verde, que completou o processo no mês passado.
O atrito com a Geórgia é o entrave mais visível para a permanência da Rússia no segundo estágio, mas não é o único. Entre outras razões para o atraso em sua adesão estão as regras que permitem monopólios como o do gigante estatal Gazprom, tarifas de exportação e subsídios agrícolas.
Embora se esforce para que a política não contamine seu trabalho como mediador, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, costuma dizer que a organização, no final das contas, tem mais a ver com guerra e paz do que com bananas. A tensão entre Geórgia e Rússia só comprova que comércio e política são inseparáveis.


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