São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 1997.




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CEMITÉRIO BÉLICO
Na Guerra do Vietnã, o vizinho Laos foi alvo de bombardeio recorde dos EUA; artefatos da época ainda matam
Bombas do passado ameaçam o Laos

O laociano Boua Phanh, que perdeu uma perna devido a uma mina Laocianos observam uma bomba encontrada após escavação MICHEL GAWENDO
especial para a Folha, do Laos

O exótico e escondido Laos, no Sudeste Asiático, carrega a triste fama de ser o país mais bombardeado do mundo. A cada oito minutos, 24 horas por dia, durante 9 anos, aviões B-52 da Força Aérea dos Estados Unidos despejaram vários tipos de bombas sobre o país, durante a Guerra do Vietnã (1964-1975).
A conta dá cerca de nove toneladas de explosivo para cada habitante. Entre 10% e 30% das bombas não explodiram, por razões técnicas, mas continuam ativas no solo, como uma ameaça constante e uma triste marca do passado.
Até hoje, foram registrados cerca de 11,5 mil acidentes com UXO -"unexploded ordnance", em inglês, ou munição não detonada, numa tradução livre para o português. Mais da metade resultou em morte.
A província de Xien Khouang (pronuncia-se Sin Huan) é a mais contaminada por UXO. Na cidade de Ponsavan, os vestígios da guerra fazem parte do dia-a-dia.
É praticamente proibido andar fora das trilhas que desenham os arredores da cidade. Qualquer passo em cima de uma granada, por exemplo, pode mandar a pessoa pelos ares.
Paredes de metal
Muitas paredes de casas de Ponsavan são construídas com madeira e restos de barris de metal, que antes eram usados para guardar material de guerra e combustível de tanque.
Não existe rede de esgoto na cidade. Os habitantes cobrem os córregos com pontilhões usados na época da guerra para ajudar os tanques a vencer os lamaçais.
Outra coisa normal é usar carcaça de bomba para fazer mourão de cerca. Muitas vezes, o camponês quer cercar o terreno e não tem madeira suficiente (a devastação de florestas é outro problema no Laos).
Ele então pega a carcaça, muito fácil de ser encontrada, finca no chão e passa o arame em volta. Alguns desses casulos de bomba chegam a ter dois metros de altura. Servem até como pilar de construções.
No restaurante de Ponsavan, os cinzeiros são metades de granadas vazias. A pousada para os visitantes oferece uma decoração feita com capacetes, fuzis, morteiros e bombas de vários tamanhos. Na principal rua da cidade, as crianças brincam com os restos de bombas.
Caçar de restos da guerra virou maneira de sobreviver. Os "caçadores" perambulam pelos arredores da cidade recolhendo pedaços de ferro retorcido. Depois, vendem como ferro-velho e engrossam o orçamento no final do mês. Cada quilo de bomba velha vale até US$ 3, um bom dinheiro para uma região onde a maioria dos salários não passa dos US$ 30 por mês.
Prótese nova
Na vila de Ban Nadi, a trinta minutos de caminhão de Ponsavan, existe um curioso exemplo de uso do lixo da guerra. Boua Phanh, 67, perdeu metade da perna direita quando pisou numa mina terrestre há muitos anos -nem ele sabe dizer exatamente quando.
Conta ter tido assistência médica do governo e até ganhou uma perna mecânica de plástico. Mas diz que ela incomodava e era muito pesada. Não teve dúvida: juntou pedaços de bomba, forjou e fez uma perna nova, sob medida.
Mesmo os religiosos não dão muita bola para o perigo. Quando é a época dos festivais da chuva, chamado Bun Bang Fai, uma espécie de São João, eles procuram bombas ativas que conservam pólvora.
A principal tradição da festa é o lançamento de rojões amarrados na ponta de varas de bambu. A idéia é "acordar" os espíritos para que mandem água do céu. Quanto mais longe o foguete viajar, mais alegres ficam os religiosos.
Na mesma vila, a cinquenta metros da casa de Boua Phanh, foi encontrada uma bomba de 500 libras enterrada no quintal da casa de uma camponesa. Ela tinha visto a bomba cair do céu em 1972.
Mas só avisou agora porque queria usar o lugar para aumentar o seu campo de arroz. O "brinquedo" estava ativo e poderia arrasar tudo num raio de 1 km.



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