São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 2006

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Missão da ONU é como bandeide para hemorragia

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

O Haiti não é o Iraque nem as favelas do Rio são o Haiti. Mas esses três locais têm em comum um estado que os pesquisadores de assuntos militares chamam de "insurgência", em graus e formas distintas.
A diferença é que, no Iraque e no Rio, o Estado tem teoricamente mais condições de vencer o inimigo.
No Haiti, faltam todas as condições para uma "contra-insurgência" ser bem-sucedida. Em sentido estrito, o "insurgente" é um rebelde contra a autoridade que procura obter mudanças políticas através de uma estratégia de coerção organizada, que pode envolver o terror ou a guerrilha como táticas.
E, como mostra outro pesquisador, o israelense Martin Van Creveld, da Universidade Hebraica de Jerusalém, cada vez mais ficam cinzentas as fronteiras entre grupos guerrilheiros, terroristas e crime organizado.
Os narcotraficantes cariocas não chegam a querer tomar o poder -estão contentes com a ausência do Estado-, mas têm aliados na Colômbia que querem. O incêndio de um ônibus cheio de pessoas no Rio é uma tática de terror.
No Haiti há gangues de criminosos e outras ligadas a grupos políticos que querem o poder ou suas benesses. Terror e coerção são usados rotineiramente contra a população.
Estudando centenas de insurgências ao longo do século 20, o historiador britânico Ian Beckett, do University College em Northampton (Reino Unido) concluiu que existem seis requisitos básicos para não necessariamente vencer completamente, mas para conseguir um "nível aceitável de violência": reconhecer a necessidade de uma resposta mais política do que militar à insurgência; necessidade de coordenação das respostas civil e militar; necessidade de coordenação da inteligência; necessidade de separação dos insurgentes da população civil; utilização apropriada da força militar, isto é, o mínimo necessário; e implementação de reformas de longo prazo para reduzir os problemas que levam ao apoio aos insurgentes.
Os britânicos conseguiram sucesso ao implementar esses seis itens em insurgências na Malásia e em Omã, na península Arábica. Fracassos famosos foram os americanos no Vietnã e os franceses na Argélia.
No Haiti, nenhum dos seis requisitos está sendo implementado com sucesso.
A ONU pouco tem feito em termos políticos, e há ceticismo sobre o impacto das eleições próximas. Não há coordenação eficaz entre a corrupta polícia do país e as tropas. Os "capacetes azuis" têm pouco contato com a população local para obtenção de inteligência precisa. Patrulham ostensivamente, mas com pequena interação.
Os insurgentes estão infiltrados na população civil como uma azeitona no pastel -difícil de achar, difícil de retirar. O uso de armamento de Exército como fuzis calibre 7,62 mm em favelas amontoadas de barracos causa inevitáveis baixas entre inocentes. E o país, abjetamente pobre, não tem nenhum plano de desenvolvimento nem recursos internacionais para isso.
Resumindo, a missão de "paz" da ONU é um bandeide em uma hemorragia.


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