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Missão da ONU é
como bandeide
para hemorragia
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
O Haiti não é o Iraque nem
as favelas do Rio são o Haiti.
Mas esses três locais têm em
comum um estado que os
pesquisadores de assuntos
militares chamam de "insurgência", em graus e formas
distintas.
A diferença é que, no Iraque e no Rio, o Estado tem
teoricamente mais condições de vencer o inimigo.
No Haiti, faltam todas as
condições para uma "contra-insurgência" ser bem-sucedida. Em sentido estrito,
o "insurgente" é um rebelde
contra a autoridade que procura obter mudanças políticas através de uma estratégia
de coerção organizada, que
pode envolver o terror ou a
guerrilha como táticas.
E, como mostra outro pesquisador, o israelense Martin Van Creveld, da Universidade Hebraica de Jerusalém, cada vez mais ficam
cinzentas as fronteiras entre
grupos guerrilheiros, terroristas e crime organizado.
Os narcotraficantes cariocas não chegam a querer tomar o poder -estão contentes com a ausência do Estado-, mas têm aliados na
Colômbia que querem. O incêndio de um ônibus cheio
de pessoas no Rio é uma tática de terror.
No Haiti há gangues de criminosos e outras ligadas a
grupos políticos que querem
o poder ou suas benesses.
Terror e coerção são usados
rotineiramente contra a população.
Estudando centenas de insurgências ao longo do século 20, o historiador britânico
Ian Beckett, do University
College em Northampton
(Reino Unido) concluiu que
existem seis requisitos básicos para não necessariamente vencer completamente,
mas para conseguir um "nível aceitável de violência":
reconhecer a necessidade de
uma resposta mais política
do que militar à insurgência;
necessidade de coordenação
das respostas civil e militar;
necessidade de coordenação
da inteligência; necessidade
de separação dos insurgentes da população civil; utilização apropriada da força
militar, isto é, o mínimo necessário; e implementação
de reformas de longo prazo
para reduzir os problemas
que levam ao apoio aos insurgentes.
Os britânicos conseguiram
sucesso ao implementar esses seis itens em insurgências na Malásia e em Omã,
na península Arábica. Fracassos famosos foram os
americanos no Vietnã e os
franceses na Argélia.
No Haiti, nenhum dos seis
requisitos está sendo implementado com sucesso.
A ONU pouco tem feito
em termos políticos, e há ceticismo sobre o impacto das
eleições próximas. Não há
coordenação eficaz entre a
corrupta polícia do país e as
tropas. Os "capacetes azuis"
têm pouco contato com a
população local para obtenção de inteligência precisa.
Patrulham ostensivamente,
mas com pequena interação.
Os insurgentes estão infiltrados na população civil como uma azeitona no pastel
-difícil de achar, difícil de
retirar. O uso de armamento
de Exército como fuzis calibre 7,62 mm em favelas
amontoadas de barracos
causa inevitáveis baixas entre inocentes. E o país, abjetamente pobre, não tem nenhum plano de desenvolvimento nem recursos internacionais para isso.
Resumindo, a missão de
"paz" da ONU é um bandeide em uma hemorragia.
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