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São Paulo, sábado, 29 de março de 2003

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Avanço militar rápido ignorou velhas prioridades

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Até parece que os generais americanos não fizeram a lição de casa. Qualquer cadete da academia militar de West Point sabe que quanto mais um exército avança, mas difícil fica o seu suprimento.
E também sabe que a prioridade absoluta de qualquer avanço é manter a retaguarda segura para que os suprimentos possam continuar fluindo sem interrupção.
Essas verdades antigas foram deixadas de lado, pois se achou que o regime de Saddam Hussein cairia de podre. Não caiu.
A aposta em um avanço dramático pelo deserto, a versão moderna de uma longa carga de cavalaria, falhou, lamentavelmente para os americanos. Não houve a rebelião contra o regime que faria o avanço se dar em meio a uma população não hostil. Os generais iraquianos não se intimidaram com o "choque e pavor".
Não é a primeira vez na história militar que generais procuram dar um passo maior do que as pernas. Hoje os oficiais mais importantes na região não são os que comandam tropas combatentes, mas os que as suprem. Será deles a palavra final de quando um ataque a Bagdá será possível.

Amadores e profissionais
A pausa foi feita para acumular suprimentos antes de se continuar o avanço contra a capital. Logística é para profissionais, tática é para amadores.
Esse ditado costuma ser usado pelos oficiais de serviços de intendência, pois nas forças armadas em todo o mundo é considerado mais glamouroso pertencer às armas combatentes (infantaria, cavalaria, artilharia, aviação e engenharia de combate).
Apenas uma parte pequena das tropas anglo-americanas é de fato combatente. Os militares costumam chamar isso de "relação dentes versus rabo" ("teeth and tail", em inglês). Para cada militar na frente são necessários vários outros em apoio de retaguarda.
Ao contrário do que se poderia imaginar, o avanço tecnológico tornou mais difícil a tarefa dos intendentes. Já na Segunda Guerra Mundial uma divisão mecanizada precisava receber cerca de 650 toneladas de suprimentos por dia. Hoje as necessidades podem passar de mil toneladas.
Atualmente os tanques gastam muito mais combustível. Só para fazer o motor de um tanque M-1 Abrams funcionar são necessários cerca de vinte litros de óleo diesel. Seu avanço não se mede em quilômetros por litro de combustível, como nos automóveis, e sim em litros por quilômetro.
As armas modernas também têm uma cadência de tiro muito superior. Fuzis automáticos podem em segundos disparar todo um carregador de vinte ou trinta balas, tanto que a versão mais nova do fuzil americano, o M1-A2, ganhou um dispositivo "limitador de rajada", limitando a três balas cada vez se se dispara em modo automático.
Segundo um relato de Dexter Filkins, correspondente do "The New York Times" junto aos fuzileiros navais americanos, um comboio de 300 veículos transporta suprimento para a 1ª Divisão de Marines suficiente para apenas alguns dias. Se o combate se intensificar, o gasto de munição aumenta muito.
Os fuzileiros navais têm pelo menos um ponto a favor: todo marine é treinado para ser proficiente no tiro com fuzil. Mesmo generais de marines têm de manter a eficácia no uso da arma.
Isso torna um comboio de marines bem mais capaz de autodefesa. "Não somos apenas motoristas de caminhões. Somos motoristas de caminhões armados", disse um marine ao correspondente do "Times".


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