São Paulo, quinta-feira, 29 de abril de 2004

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IRAQUE OCUPADO

Imagens de violência de soldados americanos contra prisioneiros iraquianos chocam general dos EUA

TV dos EUA exibem tortura no Iraque

Oleg Popov/Reuters
Soldados americanos vigiam um insurgente iraquiano ferido durante uma batida realizada em vila próxima à cidade de Fallujah


RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK

VITOR PAOLOZZI
DA REDAÇÃO

O programa 60 minutes, da rede de TV aberta CBS, com grande audiência nos EUA, exibiu ontem à noite fotos supostamente tiradas por soldados americanos de prisioneiros iraquianos sendo torturados na prisão de Abu Ghraib, no Iraque -a mesma em que Saddam Hussein torturou e executou prisioneiros por décadas, ressaltou o programa.
Especialistas em mídia ouvidos pela Folha acreditam que a imprensa dos EUA esteja adotando uma posição mais crítica em relação à guerra. Amanhã, a rede ABC vai dedicar todo o "Nightline", outro programa popular, à leitura dos nomes de todos os soldados americanos mortos no Iraque.
A descoberta das fotos, disse o apresentador da CBS Dan Rather, levou o Exército americano a exonerar 17 soldados, dos quais seis serão levados a julgamento. Nas fotos, militares americanos riem para a câmera e fazem sinal de positivo ao lado de presos empilhados ou encapuzados.
O apresentador afirmou que investigações militares apontavam também para o uso de cachorros para "intimidação". Foi citado um caso em que um prisioneiro teve um fio elétrico ligado aos órgãos sexuais; numa das fotos, propositalmente distorcida, prisioneiros aparecem simulando um ato sexual, supostamente sob pressão dos americanos.
Rather entrevistou por telefone um dos militares acusados, o sargento Chip Frederick. "Não tínhamos apoio nem treinamento, e continuei pedindo para meus comandantes estabelecerem regras, o que não acontecia", disse Frederick. Ainda segundo o sargento, autoridades do Exército e membros da CIA e do FBI visitavam a prisão regularmente, que teria, segundo ele, 900 prisioneiros guardados por cinco soldados e dois civis. Ele disse só ter tido acesso à Convenção de Genebra, que trata dos direitos de prisioneiros, após ter sido afastado.
O programa foi pontuado por constantes comentários do general Mark Kimmitt, vice-chefe de operações dos EUA no Iraque. Ele disse estar chocado e pediu aos iraquianos e americanos que não julgassem o Exército a partir daquelas imagens: "Trata-se da ação de uma minoria muito pequena".
Rather disse que o governo dos EUA havia pedido à emissora que, por conta do atual momento da Guerra do Iraque, adiasse o programa. O canal teria concordado, mas como imagens e notícias sobre o programa vazaram, decidiu mostrá-lo.
Durante a Guerra do Vietnã (1965-75), os movimentos de protesto contra o conflito tiveram um crescimento decisivo depois que a imprensa começou a mostrar imagens de violência e morte.
No mês passado, a Anistia Internacional denunciou que muitos ex-prisioneiros iraquianos acusaram as forças americanas de torturá-los durante interrogatórios. Segundo a Anistia, os iraquianos afirmaram que eram surrados, impedidos de dormir e expostos a música em alto volume.
Além dos programas da CBS e da ABC, o "Seattle Times" publicou na semana passada fotos de caixões, cobertos com a bandeira dos EUA, de soldados mortos.
Esses eventos -e outros semelhantes, como a decisão cada vez mais comum de jornais publicaram fotos fortes- indicam que parte da mídia americana está mudando sua forma de cobrir a ocupação do Iraque.
"Acho que foi alcançado um momento de virada, um momento estranho, quando, de repente, sem razões claras, nota-se que a opinião pública parece ter mudado. Parte da mídia está ficando mais agressiva [contra o presidente George W. Bush]. Há perguntas sendo feitas sobre as armas de destruição em massa, há o trabalho da comissão do 11 de Setembro", disse Andie Tucher, ex-produtora da rede ABC e professora de jornalismo da Universidade Columbia.
Charles Eisendrath, diretor do programa de extensão para jornalistas Knight-Wallace Fellows, da Universidade Michigan, concorda com Tucher. "A percepção era que estava tudo indo bem. Agora, todos estão em um certo estado de choque. Há um crescente sentimento de que não estamos fazendo o serviço muito bem. Há ainda uma imensa impaciência em relação à idéia do governo de que não se deve mostrar os caixões dos soldados mortos que voltam para casa. E tenho certeza de que a mídia vai insistir na exibição das imagens", afirma.
Hubert Brown, da Universidade Syracuse, acredita que a imprensa não tenha questionado devidamente os motivos apresentados por Bush para ir à guerra e, agora que as coisas não estão indo muito bem, procura distanciar-se do governo: "A mídia está começando a fazer as perguntas que devia ter feito há um ano: "Esse governo tem um plano para o pós-guerra? Para a entrega da soberania?" Está ficando finalmente claro que eles parecem não ter plano nenhum".
Pesquisas do instituto Gallup mostram que vem caindo a aprovação dos americanos à maneira como Bush lida com a situação no Iraque. Em pesquisa realizada há cerca de dez dias, o presidente teve uma aprovação de 48%. No começo de janeiro, estava em 61%. Há um ano, era de 76%.

Com agências internacionais


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