São Paulo, terça-feira, 29 de junho de 2004

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IRAQUE SOB TUTELA

Para analistas americanos, só haverá paz com autonomia real; contratos atuais não poderão ser revistos

EUA controlarão economia e segurança

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

Os EUA continuarão dominando, na prática, as duas principais áreas de seu interesse no Iraque: a militar e a econômica -onde os contratos de reconstrução em vigor não poderão ser revogados.
Não há nenhuma previsão para a retirada dos milhares de soldados americanos. O novo governo tem autonomia para pedir a saída das tropas, mas não deve fazê-lo.
O novo líder iraquiano, Iyad Allawi, assume o posto comandando uma única divisão armada de 8.000 homens (Saddam Hussein tinha 70 divisões) e a recentemente batizada Guarda Nacional de 40 mil homens com pouquíssimo treino e comprometimento.
Na área econômica, todos os contratos fechados antes da transição anunciada ontem terão autonomia em relação ao novo governo -ou seja, não podem ser desfeitos até o seu término.
Segundo analistas ouvidos pela Folha, os americanos continuarão no poder apesar de os EUA estarem se esforçando para tirar suas impressões digitais do Iraque e, assim, tentar obter uma pacificação mais rápida.
Apesar da necessidade de o presidente George W. Bush se desembaraçar do Iraque na reta final da campanha eleitoral, 6 em cada 10 americanos acreditam que fazer a transição em um momento de instabilidade como o atual é um "sinal de fracasso", segundo pesquisa Gallup/CNN.
Segundo o Center for American Progress, centro de pesquisas independente de Washington, Paul Bremer, ex-administrador americano no Iraque, assinou anteontem um edito que dá imunidade perante as novas e eventuais leis iraquianas aos contratos já em andamento.
Na área do petróleo, o novo governo terá autonomia, mas os americanos ainda não prestaram contas sobre onde e como foram gastos os mais de US$ 20 bilhões arrecadados desde a invasão.
Os EUA continuarão tendo autonomia sobre o destino das verbas aprovadas pelo Congresso americano para o Iraque, especialmente os US$ 18,4 bilhões extras que estão sendo gastos agora.
Mesmo o status jurídico da maioria dos prisioneiros iraquianos, incluindo Saddam Hussein, ficará inalterado até que o Iraque consiga reformular todo o seu sistema judiciário, o que pode demorar meses, senão anos.
Segundo Gayle Smith, especialista em reconstrução do Center for American Progress, o Iraque não será estabilizado se os EUA não derem autonomia de fato sobre os recursos que vêm sendo gastos no país.
Segundo ela, mais da metade do dinheiro empregado na reconstrução está sendo destinado, na prática, à segurança.
Smith sugere que US$ 2 bilhões dos US$ 18,4 bilhões que estão sendo liberados agora sejam destinados a projetos tocados por comunidades e que a maior parte dos funcionários de empresas americanas contratadas para a reconstrução seja substituída por iraquianos.
"Por causa da segurança, os EUA pagam dez vezes mais a funcionários americanos do que pagariam a iraquianos", diz Smith.
Segundo Lawrence Korb, ex-secretário da Defesa no governo Ronald Reagan (1981-89), as funções das empresas americanas contratadas no Iraque deveriam, onde for possível, ser ""transferidas o mais rápido possível para os iraquianos", como forma de legitimar a transição.
Para Philip Crowley, assistente especial para assuntos de Segurança Nacional no governo Bill Clinton (1993-2001), a transição no Iraque, do comando do Departamento da Defesa dos EUA para a supervisão do Departamento de Estado, também deverá reforçar a sensação de prevalência dos americanos sobre o governo.
A nova embaixada dos EUA no Iraque poderá ter 3.000 pessoas, entre civis americanos e outras pessoas subordinadas a um comando militar.


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