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COMENTÁRIO
Prova máxima do fracasso
SÉRGIO MALBERGIER
EDITOR DE MUNDO
Não que precisasse, mas a cerimônia medrosa de "transferência
de soberania" do procônsul dos
EUA ao novo premiê iraquiano
(escolhido por Washington) foi a
prova máxima do fracasso do governo de George W. Bush em administrar o pós-guerra do Iraque.
Em oposição a esse fracasso retumba o sucesso dos insurgentes:
foram eles que obrigaram o administrador americano do Iraque,
Paul Bremer, a se trancar num escritório acanhado e passar o rojão
para o premiê Iyad Allawi, velho
colaborador da CIA, dois dias antes do previsto. Sem festa. Momentos depois, Bremer subiu
num helicóptero vestindo um colete antibalas e partiu. Uma cena
digna da debacle no Vietnã.
Que os americanos achem que o
truque do adiamento foi um golpe nos insurgentes mostra que,
para Washington, sua prioridade
hoje é limitar os danos que a desastrada guerra pode trazer à
campanha eleitoral de Bush.
Suas chances de se reeleger em
novembro estão diretamente ligadas ao ponto central de seu governo: a "guerra ao terror", motivada
pelo 11 de Setembro, cujo pináculo foi a guerra de opção no Iraque.
E as pesquisas mostram que a
maioria do eleitorado hoje a considera um erro.
Mesmo o aparente sucesso da
guerra convencional, que fez com
que a ditadura do sanguinário
Saddam Hussein caísse em poucas semanas, pode ser contestado:
as forças leais ao regime e ao seu
sistema de favorecimentos constataram que seria suicídio enfrentar o formidável poderio americano no campo de batalha.
Preferiram preservar arsenal e
combatentes para esta segunda
etapa da guerra e vêm impondo
derrotas humilhantes aos EUA
com seus atentados diários que fizeram a população ter saudade da
segurança pública dos tempos de
Saddam.
A guerrilha iraquiana, reforçada
por combatentes jihadistas, controla hoje a cidade de Fallujah, ao
norte de Bagdá, que vem se tornando uma espécie de Afeganistão em miniatura, com os terroristas treinando e arregimentando novos candidatos que chegam
de vários países islâmicos para
enfrentar os "novos cruzados",
respondendo aos apelos de Osama bin Laden e companhia.
O próprio general Ricardo Sánchez, comandante dos EUA no
Iraque, já admitiu em entrevista à
TV Fox que não pode entrar na cidade e que as incipientes forças de
segurança iraquianas não têm poder para dominá-la.
Complicando o cenário, temos
o aumento das ações dos extremistas islâmicos na Arábia Saudita (excitados pelo barulho na vizinhança), o endurecimento do regime iraniano (e, por conseqüência, de seu programa nuclear) e a
violência interminável entre Israel e palestinos.
Para os EUA e para o resto do
mundo, a única resolução positiva da aventura iraquiana será
uma transição de poder que desemboque em algum tipo de democracia estável no Iraque.
Isso teria um poder transformador enorme nas mentes árabes e
islâmicas, já que não há regime
árabe democrático. É esse sufocamento político que alimenta o terrorismo niilista dos extremistas
que hoje vêem no Iraque sua melhor chance de combater os EUA
e seus aliados regionais.
Mas, para a democracia iraquiana vingar, os vizinhos do Iraque,
as potências européias e a comunidade internacional como um
todo têm de reconhecer que o futuro do país será vital para este
início de século. A arrogância passada de Bush ainda atrapalha,
mas mesmo ele está ficando um
pouco mais humilde diante do tamanho do tombo mesopotâmico.
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