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"Sofrerei mais ataques", afirma soldado americano
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
O que muda com a transição de
ontem? Nada, segundo um soldado norte-americano baseado em
Bagdá desde outubro. "Trabalharei com a Guarda Nacional Iraquiana mais freqüentemente e sofrerei ataques mais freqüentemente", resume ele, com uma
franqueza desconcertante.
Ele é o nova-iorquino "Jason",
30, que pede para não ser identificado por motivos de segurança e
para não sofrer sanções disciplinares. Manteve um blog, um diário na internet, de setembro de
2003 a fevereiro deste ano, quando foi retirado do ar a pedido do
comandante de sua companhia.
"Just Another Soldier" chamou
a atenção por dar uma visão direta e sem censura do "front", de
acordo com alguém que está lá.
Um trecho: "Sinto falta da cidade,
gostaria de voltar e terminar o colégio. Essa merda de "guerra contra o terror" arruinou meu semestre. OK, pelo menos agora tenho
um inimigo. Quem é mesmo?"
Nos últimos meses, a Folha vinha tentando entrevistá-lo por e-mail, sem sucesso. "Sempre que
falo com a imprensa, recebo nova
punição", disse ele, que tem um
irmão mórmon atualmente em
missão em Juiz de Fora (MG).
Com a transição-surpresa de ontem, Jason decidiu falar:
Folha - O que muda agora, com a
suposta soberania?
Jason - Para mim, a única coisa
que vai mudar é que trabalharei
com a Guarda Nacional Iraquiana
mais freqüentemente. E também
sofrerei ataques mais freqüentemente. Mas os ataques diminuirão de intensidade, porque os insurgentes daqui têm uma capacidade reduzida de concentração e
nenhuma habilidade militar. "Isso também passará", diz a Bíblia.
Folha - Virou lugar-comum dizer
que a guerra de verdade começou
ao final da oficial. Confere?
Jason - Primeiro, preciso confessar que não consigo usar a palavra
"guerra" para me referir a isso
aqui. Prefiro a palavra "combate",
porque não há dúvida de que
existe um combate acontecendo
hoje no Iraque, enquanto "guerra" é usado eufemisticamente e de
maneira banal, do mesmo jeito
que se diz "guerra ao terror"...
Folha - Semântica à parte...
Jason - Sou um soldado, e se o
Exército quisesse que eu tivesse
uma opinião, ter-me-ia dado
uma. Sou um homem da infantaria, não preciso de uma opinião.
Só preciso achar um bom esconderijo e ter uma boa pontaria...
No entanto, pessoalmente tenho uma confiança muito tênue
em relação ao governo do meu
país quando diz que invadir o Iraque era o melhor a fazer. Acredito
que invadir o Iraque tenha sido
uma decisão amoral, baseada na
necessidade pragmática de botar
um pé estratégico no Oriente Médio, que afinal é a terra natal da
maioria das ameaças terroristas
atuais.
Para contra-atacarmos o terror
de uma maneira que não fosse
apenas retórica, precisávamos entrar no coração desse mundo, e o
Iraque era uma opção tão válida
quanto qualquer outra. O fato de
Saddam Hussein aparentemente
ter desrespeitado seguidas resoluções da ONU só nos deu um motivo conveniente para atacar.
Ou seja, "liberar um povo oprimido e derrubar uma ditadura
perigosa com armas de destruição em massa" era boa propaganda, mas de fato secundário.
Folha - O Iraque é hoje um país
melhor do que antes da invasão?
Jason - Sim. Liberdade é sempre
melhor do que falta de liberdade.
Se você é um iraquiano querendo
se destacar e fazer diferença, este é
um bom momento para você. Se
você é um iraquiano que não dá a
mínima para quem vai comandar
o país, espero que concorde com
aqueles que querem ser ouvidos.
Liberdade pode ser um peso,
particularmente para aqueles que
não se acostumam com ela. Destes eu tenho pena, e infelizmente
há muitos deles no Iraque hoje.
Acredito que isso se deva parcialmente ao fato de que o cidadão
médio é absurdamente pobre e
tem pouco tempo para perder
pensando em política, mas tiro o
chapéu para quem, mesmo assim,
encontra energia para fazê-lo.
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