São Paulo, terça-feira, 29 de junho de 2004

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"Sofrerei mais ataques", afirma soldado americano

SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

O que muda com a transição de ontem? Nada, segundo um soldado norte-americano baseado em Bagdá desde outubro. "Trabalharei com a Guarda Nacional Iraquiana mais freqüentemente e sofrerei ataques mais freqüentemente", resume ele, com uma franqueza desconcertante.
Ele é o nova-iorquino "Jason", 30, que pede para não ser identificado por motivos de segurança e para não sofrer sanções disciplinares. Manteve um blog, um diário na internet, de setembro de 2003 a fevereiro deste ano, quando foi retirado do ar a pedido do comandante de sua companhia.
"Just Another Soldier" chamou a atenção por dar uma visão direta e sem censura do "front", de acordo com alguém que está lá. Um trecho: "Sinto falta da cidade, gostaria de voltar e terminar o colégio. Essa merda de "guerra contra o terror" arruinou meu semestre. OK, pelo menos agora tenho um inimigo. Quem é mesmo?"
Nos últimos meses, a Folha vinha tentando entrevistá-lo por e-mail, sem sucesso. "Sempre que falo com a imprensa, recebo nova punição", disse ele, que tem um irmão mórmon atualmente em missão em Juiz de Fora (MG). Com a transição-surpresa de ontem, Jason decidiu falar:
 

Folha - O que muda agora, com a suposta soberania?
Jason -
Para mim, a única coisa que vai mudar é que trabalharei com a Guarda Nacional Iraquiana mais freqüentemente. E também sofrerei ataques mais freqüentemente. Mas os ataques diminuirão de intensidade, porque os insurgentes daqui têm uma capacidade reduzida de concentração e nenhuma habilidade militar. "Isso também passará", diz a Bíblia.

Folha - Virou lugar-comum dizer que a guerra de verdade começou ao final da oficial. Confere?
Jason -
Primeiro, preciso confessar que não consigo usar a palavra "guerra" para me referir a isso aqui. Prefiro a palavra "combate", porque não há dúvida de que existe um combate acontecendo hoje no Iraque, enquanto "guerra" é usado eufemisticamente e de maneira banal, do mesmo jeito que se diz "guerra ao terror"...

Folha - Semântica à parte...
Jason -
Sou um soldado, e se o Exército quisesse que eu tivesse uma opinião, ter-me-ia dado uma. Sou um homem da infantaria, não preciso de uma opinião. Só preciso achar um bom esconderijo e ter uma boa pontaria...
No entanto, pessoalmente tenho uma confiança muito tênue em relação ao governo do meu país quando diz que invadir o Iraque era o melhor a fazer. Acredito que invadir o Iraque tenha sido uma decisão amoral, baseada na necessidade pragmática de botar um pé estratégico no Oriente Médio, que afinal é a terra natal da maioria das ameaças terroristas atuais.
Para contra-atacarmos o terror de uma maneira que não fosse apenas retórica, precisávamos entrar no coração desse mundo, e o Iraque era uma opção tão válida quanto qualquer outra. O fato de Saddam Hussein aparentemente ter desrespeitado seguidas resoluções da ONU só nos deu um motivo conveniente para atacar.
Ou seja, "liberar um povo oprimido e derrubar uma ditadura perigosa com armas de destruição em massa" era boa propaganda, mas de fato secundário.

Folha - O Iraque é hoje um país melhor do que antes da invasão?
Jason -
Sim. Liberdade é sempre melhor do que falta de liberdade. Se você é um iraquiano querendo se destacar e fazer diferença, este é um bom momento para você. Se você é um iraquiano que não dá a mínima para quem vai comandar o país, espero que concorde com aqueles que querem ser ouvidos.
Liberdade pode ser um peso, particularmente para aqueles que não se acostumam com ela. Destes eu tenho pena, e infelizmente há muitos deles no Iraque hoje. Acredito que isso se deva parcialmente ao fato de que o cidadão médio é absurdamente pobre e tem pouco tempo para perder pensando em política, mas tiro o chapéu para quem, mesmo assim, encontra energia para fazê-lo.


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