São Paulo, quinta-feira, 29 de julho de 2004

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GUERRA SEM LIMITES

Pela primeira vez, o MSF deixa um país por insegurança; grupo critica os governos afegão e americano

Medo tira Médicos Sem Fronteiras do Afeganistão

RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK

Alegando razões de segurança e dificuldades criadas pelo Exército americano, o grupo humanitário Médicos Sem Fronteiras (MSF) anunciou ontem que deixará de atuar no Afeganistão.
A decisão foi divulgada no dia em que uma bomba matou duas pessoas da Província de Ghazni. O atentado atingiu uma mesquita onde afegãos estavam se registrando para votar na eleição presidencial, prevista para outubro.
No último dia 2 de junho, cinco integrantes do MSF foram assassinados. O grupo acusa o governo afegão de "falta de vontade" de prender os responsáveis, o que o presidente Hamid Karzai negou .
Além disso, a atuação "humanitária" do Exército americano não distingue claramente seus integrantes dos de outras organizações independentes e privilegia os aliados, disse à Folha a diretora-operacional do MSF na Holanda, Josje Reinartz, que coordena o trabalho no Afeganistão. Os EUA negaram.
A entidade, Nobel da Paz de 1999, atuava havia 24 anos no país. Desde a Guerra do Afeganistão (2001), tinha 80 voluntários internacionais e 1.400 afegãos trabalhando em todo o país. O MSF atua em mais de 80 países, oferecendo ajuda em locais de conflito. É a primeira vez que se retira por razões de segurança.
Os integrantes do MSF assassinados foram mortos quando voltavam do trabalho, num carro identificado como pertencente à organização. A milícia extremista Taleban, derrubada do poder pelos EUA em 2001, reclamou a autoria do crime. Mas Reinartz disse que a organização tem dúvidas sobre a veracidade da afirmação.
Ela reclamou da atuação do governo afegão. "As autoridades nos disseram que investigaram o crime e que tinham idéia de quem tinha sido responsável, mas até agora não prenderam ninguém. Para nós, isso foi um sinal de que eles não querem realmente manter um mínimo de segurança para os trabalhadores humanitários."
Um porta-voz do Taleban acusou o MSF de trabalhar em nome dos interesses dos americanos. "Não temos objetivos políticos", disse Reinartz. Ela criticou os esforços humanitários dos americanos, usados muitas vezes com objetivos políticos e militares.
"O fato de que a coalizão dificultou a distinção entre a atuação política e militar, de um lado, e a ajuda humanitária, do outro, realmente não ajudou a nossa causa. Militares têm dado assistência a civis, usando carros brancos como os nossos. Fica difícil para as pessoas nos reconhecerem como um grupo independente. Pensamos que eles, ao tentarem cooptar ajuda para seus objetivos políticos, criaram riscos adicionais aos grupos humanitários."
Reinartz dá um exemplo: "Em maio, a coalizão distribuiu panfletos em que dizia à população que, se eles ajudassem com informações sobre a localização de integrantes do Taleban e da Al Qaeda, eles poderiam "assegurar a continuidade" da ajuda humanitária".
O ataque ao MSF não foi um ato isolado, mas parte de um quadro de escalada da violência no Afeganistão. Mais de 30 integrantes de grupos humanitários foram mortos desde março de 2003 no país.
O presidente Hamid Karzai disse lamentar a decisão do MSF e afirmou que as autoridades estão investigando o assassinato de seus integrantes.
Um funcionário do Departamento de Estado dos EUA disse que o governo americano "lamenta" a decisão do MSF, mas também negou que as forças americanas tenham tentado usar a ajuda humanitária como meio de atingir objetivos políticos ou militares. "Nunca condicionamos nossa ajuda à cooperação com operações militares."


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