São Paulo, quinta-feira, 29 de novembro de 2007

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Russos estão felizes com economia, avalia analista

Dinheiro do petróleo e sensação de liberdade nunca antes experimentada, mesmo que restrita, tornam Putin popular

Para Lipman, presidente não tem concorrentes nas eleições parlamentares e se ocupa em definir como continuará no comando

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A MOSCOU

A apatia que o público russo apresenta na atual campanha eleitoral tem uma explicação simples para a analista política Maria Lipman, do Centro Carnegie de Moscou: a economia nunca esteve tão bem e há um grau de liberdade individual associado a estabilidade política que não tem paralelo na história russa. Mas e a crescente falta de liberdade de imprensa apontada por várias instituições, inclusive a de Lipman? "É verdade, há repressão, a mídia está sob controle do Estado. Mas não é nada comparado com os tempos da União Soviética, que ainda estão na lembrança de todos, e o russo médio está muito satisfeito com seu país e seu presidente", responde ela. Russa, Lipman é editora da revista "Pro et Contra", do Carnegie, que é um centro custeado por uma fundação norte-americana.

 

FOLHA - Putin é mesmo uma figura de aprovação quase unânime ou isso decorre da distorção causada pelo controle que o governo exerce sobre a mídia?
MARIA LIPMAN -
Sim, ele tem uma aprovação enorme entre os russos, e a teria mesmo que não tivesse a mídia na mão. Esse é o período mais próspero e menos repressivo de que se tem notícia na história russa, e isso não é pouco.

FOLHA - Mas isso não é um paradoxo? Há diversos relatos da perda de liberdades no país.
LIPMAN -
Sim, há perdas. Mas a sensação de bem-estar e de orgulho nacional, associada a uma máquina eficiente de divulgação dessa sensação, acaba gerando a ausência de interesse pela política. A repressão não é explícita, exceto quando há essas marchas de oposicionistas, algo muito isolado. Vladimir Putin enfraqueceu todas as instituições, exceto a Presidência, que controla todos os aspectos da vida pública na Rússia.

FOLHA - E como ele fará sem a Presidência em mãos? As opções até aqui são virar premiê, o que implicaria mudar o centro do poder para o Parlamento, ou a criação do cargo de líder nacional, ou algo assim.
LIPMAN -
Isso é tudo sobre o que essas eleições agora importam. Como ele vai traduzir a confiança do público em uma forma de permanecer no poder. Dado o seu desprezo pelas instituições, duvido que ele vá reforçar o Parlamento. Algo como essa história de líder nacional [proposta por um movimento suprapartidário chamado Pró-Putin] é mais provável. Putin é um mistério. Já nos envergonhamos bastante com nossas previsões sobre ele. E, agora, só ele sabe o que vai acontecer. Ele tem o poder.

FOLHA - O petróleo é o fiador desse poder, correto?
LIPMAN -
Sim, sem a alta nos preços do produto [desde a invasão do Iraque em 2003 e o aumento do consumo chinês], não sei se ele poderia chegar onde chegou. Mas é bom lembrar que o russo está acomodado. Acomodado e cínico, mas não estúpido. As pessoas aprovam, de modo geral, o que está acontecendo.

FOLHA - O fato de a experiência com a democracia no modelo ocidental ter sido um fracasso, nos anos de Boris Ieltsin, favorece a retomada do mito do homem forte na Rússia?
LIPMAN -
Sim. Veja a resposta do público a todas essas provocações contra os EUA feitas por Putin. Há realmente uma tradição política centralizadora e paternalista vigente.

FOLHA - Não há nenhum nome que possa desafiar Putin? Garry Kasparov parece mais popular no exterior do que aqui.
LIPMAN -
Não, não há. Poderia ocorrer algo como aconteceu na Ucrânia, quando todos os que eram contra Moscou se uniram e ganharam a eleição. Só para se fragmentarem e perderem o poder.
Não há nenhum nome que aglutine. Para a maioria dos russos, Kasparov é só um campeão mundial de xadrez. Outros líderes, como Mikhail Kasianov (ex-premiê) e Boris Nemtsov (União das Forças de Direita), são reconhecidos, mas não têm apelo. As gerações mais antigas ainda votam com os comunistas, mas elas estão desaparecendo.


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