São Paulo, domingo, 29 de novembro de 2009

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EUA fazem aposta arriscada com pleito

Se eleição hondurenha se mostrar legítima, Washington usará seu peso para fazer com que votação seja aceita na região

Por outro lado, se a votação for mais tumultuada do que se antecipa, a Casa Branca poderá ficar mais isolada na região do que já está hoje


SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Os EUA chegam à eleição presidencial hondurenha de hoje fazendo sua maior aposta na relação com a América Latina desde que Barack Obama assumiu a Casa Branca, em janeiro. Se o pleito ocorrer dentro do mínimo de ordem aceitável para observadores internacionais, de maneira que o Departamento de Estado possa dizer que o que houve foi "livre, justo e democrático", Washington reconhecerá o vencedor.
Então, usará todo o peso do país para que o resultado seja aceito tanto dentro de Honduras, onde os EUA respondem por US$ 2 em cada US$ 3 da economia e são o principal parceiro militar, como dentro da OEA (Organização dos Estados Americanos), onde sua posição hoje é defendida por uma minoria de países. O segundo caso é mais complicado, mas, na avaliação da diplomacia americana, não é sem solução.
Para tanto, os americanos insistirão em dizer aos países-membros que o Acordo Tegucigalpa-San José está em marcha e que rejeitar o resultado é rejeitar o acordo. O trato prevê, entre outras coisas, a realização de eleições -o que já terá ocorrido-, a decisão do Congresso hondurenho -marcada para esta quarta- sobre a volta ou não de Manuel Zelaya ao poder e a decisão sobre a volta ou não de Honduras para a OEA, da qual está suspensa.
A avaliação de Washington é que, dada a oportunidade e diante do fato consumado, os países que rejeitam a legitimidade do pleito, que são maioria e são liderados pelo Brasil, podem sofrer importantes defecções, de forma a isolar os que insistirem na posição original. No melhor cenário com que trabalha a diplomacia dos EUA, o grupo ficaria com Brasil, Argentina e poucos mais além dos bolivarianos (Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua).
Em encontro com jornalistas da região na sexta retrasada, do qual a Folha participou, um alto funcionário do Departamento de Estado havia dito que, feita a contagem um por um, duvidava que o resultado seria 33 países contra e um a favor de reconhecer o pleito. "Há muitos países que percebem que as eleições podem ser parte do caminho adiante", disse o diplomata, na condição de não ser identificado. "Muitos percebem que as eleições têm de ser parte do pacote."
Na última quarta-feira, a chanceler mexicana, a esquerdista Patricia Espinosa, pode ter sinalizado a primeira baixa de peso do bloco brasileiro. Ela se afastou da posição anterior de seu país e começou a repetir o catecismo americano. O importante, disse ela, é respeitar o acordo. "Achamos que nos pronunciarmos agora sobre reconhecer ou não o resultado não é algo que ajude a chegar a uma solução."
Em entrevista a um jornal chileno, o próprio secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, deu mostras de que sua posição é flexível. "Algo teremos de fazer com Honduras, porque já aprendemos nesses anos que essas coisas têm de ser arrumadas rapidamente", disse. "Não podemos ficar com Honduras fora da OEA por 30 anos, como aconteceu com Cuba, que está já há quase 40."

Isolamento maior
O problema é que, se as eleições forem mais tumultuadas do que se antecipa, como ocorreu recentemente no Afeganistão, por exemplo, os EUA podem chegar ao dia de amanhã ainda mais isolados na região do que estão hoje.
Insistir em defender um pleito que tenha a aparência de indefensável unirá os outros países contra Washington e reabrirá feridas recentes que esse governo já coleciona, como o desastrado anúncio do acordo militar com a Colômbia e a demora na implantação de uma política latino-americana digna do nome.
Se isso acontecer, os EUA retrocederão e passarão o bastão para a OEA. É nessa hipótese que aposta Brasília, segundo manifestações recentes do chanceler Celso Amorim e do assessor de assuntos internacionais de Lula, Marco Aurélio Garcia. A posição conta com simpatia de boa parte de analistas e formadores de opinião.
Para Mark Weisbrot, codiretor do progressista Center for Economic and Policy Research (CEPR), de Washington, os EUA podem até tentar fazer o que ele chama ironicamente de "coalizão da boa vontade" em relação às eleições em Honduras, mas fracassarão. "Por mais que os líderes latino-americanos possam gostar de Obama pessoalmente, seu Departamento de Estado está conseguindo fazer seu governo tão isolado na região quanto o de seu antecessor", disse à Folha.


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