São Paulo, domingo, 29 de novembro de 2009

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Uruguai vota com olhar para a continuidade

Vitória de José Mujica, membro da coalizão no poder atualmente, é dada como certa; relação com oposição é incógnita

Para analistas, Mujica não promoverá mudanças nas políticas econômicas que foram implementadas pelo presidente Tabaré Vázquez


SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A MONTEVIDÉU

"Vai ser curioso ver um governo presidido por um guerrilheiro que lutou nos anos 1960 contra o imperialismo e que fará uma administração muito "market friendly", respeitosa às regras do mercado", afirma o cientista político uruguaio Adolfo Garcé à Folha.
Nem Garcé nem ninguém no Uruguai parece ter dúvidas de que o candidato à Presidência José Mujica vencerá hoje a eleição, garantindo o segundo mandato consecutivo para a coalizão de esquerda Frente Ampla. Fundada em 1971, a coalizão chegou ao poder pela primeira vez em 2005, com a posse do atual presidente, Tabaré Vázquez.
Mujica, 75, que foi um líder do grupo guerrilheiro Tupamaro, tem hoje um mandato de senador. Já foi ministro (de Agricultura e Pesca na gestão Vázquez) e deputado federal.
"O passado guerrilheiro de Mujica é algo superado pela sociedade uruguaia. Hoje, o que o caracteriza é muito mais seu perfil transgressor do que o de guerrilheiro. A verdadeira debilidade de Mujica é ser imprevisível", diz Roberto Lafluf, marqueteiro da campanha adversária -do candidato de centro-direita Luis Alberto Lacalle (Partido Nacional), para o qual as pesquisas de opinião indicam um teto de 42% dos votos, contra 51% de Mujica.
"Lacalle é o candidato da certeza, do equilíbrio, é aquele que sempre vai pelo caminho do meio", afirma Lafluf, argumentando que essas características ficaram patentes durante a primeira Presidência do candidato, entre 1990 e 1995.
O fato de que a maioria do eleitorado aparentemente não comprou a versão de Lafluf se deve, segundo o marqueteiro, à "encruzilhada" na qual a campanha de Lacalle se viu.
"Para ressaltar as fraquezas de Mujica, teríamos de aumentar o nível de confrontação, expondo suas características negativas", diz ele. No entanto, "uma atitude confrontadora de Lacalle iria contra a sua imagem de equilíbrio e não ajudaria a diminuir o grau de rejeição que ele tem de parcela do eleitorado", afirma.

Incógnita
Como a vitória de Mujica é dada como certa, a incógnita da eleição uruguaia diz respeito ao futuro governo do esquerdista. "O que todos nós estamos nos perguntando é como será a relação de Mujica com a oposição, sobretudo com a ala esquerdista do Partido Nacional, vinculada ao [candidato a vice de Lacalle] Jorge Larrañaga, de quem Mujica é próximo", afirma o professor Garcé.
Para o analista, "não é assombroso pensar na presença de alguém da equipe de Larrañaga no gabinete de Mujica", embora a Frente Ampla tenha assegurado maioria parlamentar e, em tese, Mujica não precisaria da oposição para governar.
"Mujica pertence a uma tradição política de negociadores que é muito especial. Mesmo quando estavam à margem [na clandestinidade], falavam com todos, até com os militares que os reprimiam", afirma Garcé.
Na opinião do professor da faculdade de Ciências Sociais da Universidade da República Miguel Serna, doutor em ciência política, "vai haver continuidade e pragmatismo" num eventual governo Mujica.
Para Serna, Mujica não promoverá mudanças nas políticas econômicas implementadas por Vázquez, ao contrário do que insistiu em afirmar a campanha de Lacalle, atribuindo à suposta "imprevisibilidade" do candidato um golpe na estabilidade do país.
"Não é a primeira vez que os partidos tradicionais no Uruguai agitam esses fantasmas. Talvez por falta de outros recursos", afirma Néstor Delgado, chefe de comunicação da campanha de Mujica.


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