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Uruguai vota com olhar para a continuidade
Vitória de José Mujica, membro da coalizão no poder atualmente, é dada como certa; relação com oposição é incógnita
Para analistas, Mujica não promoverá mudanças nas políticas econômicas que foram implementadas pelo presidente Tabaré Vázquez
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A MONTEVIDÉU
"Vai ser curioso ver um governo presidido por um guerrilheiro que lutou nos anos 1960
contra o imperialismo e que fará uma administração muito
"market friendly", respeitosa às
regras do mercado", afirma o
cientista político uruguaio
Adolfo Garcé à Folha.
Nem Garcé nem ninguém no
Uruguai parece ter dúvidas de
que o candidato à Presidência
José Mujica vencerá hoje a
eleição, garantindo o segundo
mandato consecutivo para a
coalizão de esquerda Frente
Ampla. Fundada em 1971, a
coalizão chegou ao poder pela
primeira vez em 2005, com a
posse do atual presidente, Tabaré Vázquez.
Mujica, 75, que foi um líder
do grupo guerrilheiro Tupamaro, tem hoje um mandato de senador. Já foi ministro (de Agricultura e Pesca na gestão Vázquez) e deputado federal.
"O passado guerrilheiro de
Mujica é algo superado pela sociedade uruguaia. Hoje, o que o
caracteriza é muito mais seu
perfil transgressor do que o de
guerrilheiro. A verdadeira debilidade de Mujica é ser imprevisível", diz Roberto Lafluf,
marqueteiro da campanha adversária -do candidato de centro-direita Luis Alberto Lacalle
(Partido Nacional), para o qual
as pesquisas de opinião indicam um teto de 42% dos votos,
contra 51% de Mujica.
"Lacalle é o candidato da certeza, do equilíbrio, é aquele que
sempre vai pelo caminho do
meio", afirma Lafluf, argumentando que essas características
ficaram patentes durante a primeira Presidência do candidato, entre 1990 e 1995.
O fato de que a maioria do
eleitorado aparentemente não
comprou a versão de Lafluf se
deve, segundo o marqueteiro, à
"encruzilhada" na qual a campanha de Lacalle se viu.
"Para ressaltar as fraquezas
de Mujica, teríamos de aumentar o nível de confrontação, expondo suas características negativas", diz ele. No entanto,
"uma atitude confrontadora de
Lacalle iria contra a sua imagem de equilíbrio e não ajudaria a diminuir o grau de rejeição que ele tem de parcela do
eleitorado", afirma.
Incógnita
Como a vitória de Mujica é
dada como certa, a incógnita da
eleição uruguaia diz respeito ao
futuro governo do esquerdista.
"O que todos nós estamos nos
perguntando é como será a relação de Mujica com a oposição, sobretudo com a ala esquerdista do Partido Nacional,
vinculada ao [candidato a vice
de Lacalle] Jorge Larrañaga, de
quem Mujica é próximo", afirma o professor Garcé.
Para o analista, "não é assombroso pensar na presença de alguém da equipe de Larrañaga
no gabinete de Mujica", embora a Frente Ampla tenha assegurado maioria parlamentar e,
em tese, Mujica não precisaria
da oposição para governar.
"Mujica pertence a uma tradição política de negociadores
que é muito especial. Mesmo
quando estavam à margem [na
clandestinidade], falavam com
todos, até com os militares que
os reprimiam", afirma Garcé.
Na opinião do professor da
faculdade de Ciências Sociais
da Universidade da República
Miguel Serna, doutor em ciência política, "vai haver continuidade e pragmatismo" num
eventual governo Mujica.
Para Serna, Mujica não promoverá mudanças nas políticas
econômicas implementadas
por Vázquez, ao contrário do
que insistiu em afirmar a campanha de Lacalle, atribuindo à
suposta "imprevisibilidade" do
candidato um golpe na estabilidade do país.
"Não é a primeira vez que os
partidos tradicionais no Uruguai agitam esses fantasmas.
Talvez por falta de outros recursos", afirma Néstor Delgado, chefe de comunicação da
campanha de Mujica.
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