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São Paulo, domingo, 30 de março de 2003

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CONFRONTO

Para Negri, autor de "Império", guerra foi golpe de Estado contra outros países dominantes

"EUA fogem da lógica do império"

A guerra não só não é legítima; ela também não é suficiente para erguer uma nova ordem mundial. Não há consenso sobre o conflito. Os EUA se movem fora da legitimidade imperial

ROBERTO DIAS
DE NOVA YORK

Ao atacar o Iraque, os EUA escaparam à lógica que deve nortear o império, diz o filósofo italiano Toni Negri, o mais debatido pensador da esquerda européia.
Em entrevista à Folha, ele define como "golpe de Estado" a decisão de ir à guerra mesmo sem o aval da ONU. "O Iraque é um pretexto para confrontar a Europa", afirma Negri, 70, em entrevista por telefone de sua casa, em Roma.
Sua teoria foi exposta no livro "Império", escrito em parceira com Michael Hardt. A obra se tornou uma espécie de "bíblia" para contestar a ordem mundial.
Para Negri, que foi ligado ao grupo terrorista Brigadas Vermelhas nos anos 70, a idéia de império abarca, evidentemente, os EUA, mas é mais ampla que isso. "O conceito de império se caracteriza principalmente pela falta de fronteiras", diz no livro. Daí seu estranhamento pela posição americana, como explica a seguir.

Folha - Em "Império", o sr. diz que a legitimação da ordem imperial não se baseia apenas na força militar, mas também na produção de normas jurídicas internacionais duradouras. Com o que ocorreu na ONU, o que será dessa legitimação?
Toni Negri -
Este foi evidentemente um golpe de Estado contra as outras forças que fazem parte, de forma multilateral, deste império. O poder monárquico dos EUA se opôs às posições dos outros países do mundo.

Folha - Seu livro é de 2000, e creio que o sr. já fez reflexões sobre como os atentados terroristas, a doutrina Bush e esta guerra no Iraque se encaixam em sua teoria. Como seria essa continuação?
Negri -
O problema fundamental hoje é considerar que a guerra, como está estabelecida pela potência americana, não só não é legítima, mas também não é suficiente para erguer uma ordem mundial.
Os EUA não podem pagar a guerra. Não há consenso internacional para ela. Os EUA estão se movendo fora da legitimidade imperial. E, com toda a probabilidade, movem-se também fora de sua Constituição.

Folha - O sr. também fala da importância da razão para o império. Os EUA a perderam?
Negri -
Não creio que se possa dizer se os EUA têm ou não razão, porque não são um animal. O que se tem hoje é um grupo que não representa os Estados Unidos.
Representa, sobretudo, os interesses de alguns setores poderosos. A questão fundamental não creio que seja americanismo ou antiamericanismo.
O problema é que há um grupo nos EUA que talvez nem seja legal, por causa do que aconteceu nas eleições. Pode-se chamar esse grupo de usurpador.

Folha - Para o império, Bush está mais próximo de ser um Nero ou um Augusto?
Negri -
Não sei dizer.

Folha - Mas qual será o posto de Bush na história americana, em que patamar ele estará em relação aos outros presidentes?
Negri -
Há uma veia que o vê como um jacksoniano [a teoria jacksoniana diz que o objetivo principal da política externa de Washington deve ser a segurança dos americanos".
Não creio que se trate disso. Penso que ele não está na linha de Jackson. Acho que ele será apenas uma exceção negativa.

Folha - Se a concepção imperial necessita de espaço, como o sr. diz, o que devemos esperar agora? Depois de Bagdá, viria Pyongyang?
Negri -
Será o Irã, creio eu. Quer dizer, isso é o que vem dos Estados Unidos, eu vivo na província.

Folha - E a Coréia do Norte estaria a seguir?
Negri -
Acho que será a China, mas daqui a algum tempo. Na verdade, a Coréia do Norte é um pretexto para a China, assim como o Iraque é um pretexto para confrontar a Europa. E o Irã será um pretexto para a Rússia. Esse é o jogo que está se fazendo agora.

Folha - Immanuel Wallerstein diz que o império americano é decadente, que a economia está fraca e que Washington está isolado. O que o sr. pensa?
Negri -
Sou prudente em relação a isso. Talvez haja a decadência desse império de Bush, mas, para os EUA, acho que ainda é uma primavera.

Folha - O que será dos EUA e do Império daqui a dois anos?
Negri -
Acho que será importante que a Europa e a América Latina sigam fortes contra a vontade de Bush. Espero que os EUA possam se livrar de Bush. É a esperança que eles podem dar ao mundo agora.

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