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São Paulo, segunda-feira, 30 de junho de 2003

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CHILE

Em entrevista ao "El Mercurio", cabo, hoje na reserva, diz ter presenciado morte de presos em 73 e sua exumação, em 78

Militar relata execuções na era Pinochet

DA REDAÇÃO

Um cabo aposentado do Exército chileno admitiu ontem ter presenciado o assassinato -e posterior exumação- de assessores e seguranças do presidente Salvador Allende, logo após o golpe de Estado comandado pelo general Augusto Pinochet, em 1973.
Em entrevista ao diário "El Mercurio", Eliseo Cornejo Escobedo, hoje com 62 anos, afirmou que, à época, era um militar de baixa patente que estava apenas seguindo ordens e disse não ter tido participação direta nem na morte nem na exumação dos corpos.
Ele afirmou ter conduzido um veículo com 21 prisioneiros, detidos no palácio de La Moneda logo após o golpe, para a base militar de Peldehue (20 km ao norte de Santiago), onde testemunhou sua execução e seu enterro em uma vala comum.
"Eles os tiravam do veículo um de cada vez, como eu disse ao juiz, e os executavam sem vendar seus olhos", disse Escobedo ao diário chileno. "Havia um imenso buraco... e eles os jogavam lá."

Exumação
Na quarta-feira da semana passada, Escobedo e outros quatro ex-oficiais foram indiciados pelo juiz Juan Carlos Urrutia, responsável pela investigação sobre o paradeiros de vários profissionais e seguranças que trabalhavam com o presidente Allende -que se matou durante o golpe, em 11 de setembro de 1973.
Segundo o cabo, cinco anos depois, em 1978, seus superiores lhe ordenaram que identificasse o local da sepultura.
Os militares teriam usado uma escavadeira até que o primeiro corpo fosse encontrado, quando, então, continuaram o trabalho usando pás ou as próprias mãos, afirmou Escobedo.

Pesadelos
"Os corpos estavam praticamente inteiros. A terra estava tão compacta que não chegou a entrar oxigênio ali, o que acabou por preservá-los", disse Escobedo. "Mas, à medida que os corpos apareciam, eles se decompunham rapidamente. Para suportar o cheiro, foi distribuído álcool aos homens", afirmou.
"Os militares os colocaram em sacos para que não se desfizessem. Em seguida, embarcaram em um helicóptero. É tudo o que sei", disse Escobedo.
O cabo da reserva também afirmou que, mais tarde, passou a ter pesadelos e teve de se submeter a tratamento psiquiátrico.
A entrevista de Escobedo é o mais detalhado testemunho sobre esse caso já publicado no Chile e ocorre quando o governo apresenta uma proposta para resolver a questão dos direitos humanos que deve coincidir com o aniversário de 30 anos do golpe.
O general Augusto Pinochet governou o Chile até 1990, promovendo a abertura econômica do país. Nesse período, 3.197 pessoas morreram ou desapareceram, segundo relatório da Comissão de Verdade e Reconciliação, criada em 1990.
Segundo o Exército chileno, militares e funcionários do governo também morreram em enfrentamentos com terroristas de esquerda.
Em 1998, Pinochet foi preso em Londres, quando o juiz espanhol Baltasar Garzón pediu a extradição do ex-ditador para julgá-lo por crimes contra a humanidade cometidos durante seu regime.
Em 2000, o Reino Unido decidiu libertá-lo. Pinochet voltou ao Chile e, em dezembro do mesmo ano, foi preso, acusado de co-autoria no caso "Caravana da Morte" -uma missão que percorreu o país e fuzilou sumariamente 75 presos políticos em outubro de 1973, pouco depois de ter assumido o poder.
Em 2001, a acusação de "autoria intelectual" foi rebaixada para "acobertamento" dos crimes, o que levou a Justiça a ordenar a liberdade provisória de Pinochet, que cumpria prisão domiciliar.


Com agências internacionais


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