São Paulo, terça-feira, 30 de novembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DIREITOS HUMANOS

Cada torturado durante a ditadura de Pinochet receberá pensão mensal de R$ 520, decide presidente Lagos

Relatório afirma que Chile torturou 28 mil

DA REDAÇÃO

Passados quase 15 anos desde o fim do regime militar, o Chile deu no domingo novo passo no acerto de contas com seu passado, ao divulgar o relatório final da Comissão Nacional sobre Prisão Política e Tortura. Segundo o documento, foram torturadas 28 mil pessoas.
O presidente Ricardo Lagos anunciou que cada uma receberia uma pensão vitalícia equivalente a R$ 520 mensais. "A prisão política e as torturas foram uma prática institucional do Estado", disse o presidente chileno.
A comissão que elaborou o relatório recolheu 35 mil depoimentos de testemunhas e vítimas da ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990). Seus trabalhos foram presididos pelo bispo católico Sérgio Valech.
Não houve uma recontagem dos mortos e desaparecidos. Permanece válido um estudo oficial de 1991, segundo o qual a ditadura matou 3.197 dissidentes.
O texto, de 1.200 páginas, não foi comentado ontem pelo general Juan Emílio Cheyre, comandante do Exército. Disse apenas que os militares continuariam a apoiar a reconciliação e a "assumir a verdade do passado".
No começo deste mês, prevendo a publicação do relatório, ele divulgou nota na qual disse que o Exército "tomou a decisão sólida e irreversível de assumir as responsabilidades" com relação a fatos "puníveis e inaceitáveis".
O presidente da Conferência Episcopal do Chile, Alejandro Goic, disse que o documento deve ser lido como uma grande lição "para que jamais se volte a violentar a sagrada dignidade humana".
A UDI, partido descendente da direita pinochetista, divulgou nota em que "condena de forma mais absoluta" os abusos apontados pelo relatório Valech e afirma que a indenização das vítimas "é uma obrigação da sociedade".

Conceito e números
O relatório se contrapõe às teses que prevaleceram entre os partidários de Augusto Pinochet, de que o país se encontrava numa "guerra interna" durante a ditadura, e de que as violações dos direitos humanos foram acidentes excepcionais.
Não ocorreram focos de resistência ao golpe de 11 de setembro de 1973. Os militares não estavam em guerra contra um inimigo interno, mas num acerto de contas contra dissidentes em potencial, argumenta o documento.
O relatório cita 1.131 prisões, parte delas clandestina, em que interrogatórios eram feitos de modo violento. Em Santiago funcionaram 161 locais de tortura. O documento também desmente a versão de que os abusos foram cometidos apenas nos meses que se seguiram ao golpe. Pouco mais de 32% dos torturados foram presos entre 1974 e 1990.
A ditadura prendeu e torturou 1.080 menores de 18 anos. Ela fez o mesmo com 3.399 mulheres. Nove a cada dez disseram ter sofrido violências sexuais. Uma adolescente de 14 anos foi obrigada a fazer sexo oral com três carcereiros.
O texto não revela o nome das vítimas nos casos que relata. Mas traz um anexo com o nome de todos os torturados. A ligação entre eles e os fatos relatados só será divulgada dentro de 50 anos.
"Deram-me drogas, fizeram-me fazer sexo com cachorros e colocaram ratazanas em minha vagina", relatou uma das vítimas, em depoimento que a comissão afirma ter comprovado.
O perfil de militância do chileno torturado fica patente no relatório. Eram filiados ao Partido Socialista 22%, enquanto 21% eram membros do Partido Comunista. Os dois partidos compunham a Unidade Popular, do presidente deposto Salvador Allende. Pertenciam à extrema esquerda 6%, e 31% diziam não exercer atividades num partido específico.

Críticas ao Judiciário
O relatório critica o comportamento do Judiciário, sobretudo a Corte Suprema, por ter abdicado do controle dos tribunais militares. Apenas em Santiago, entre o golpe e 1989, juízes de instância inferior deixaram de examinar 9 mil casos de prisões ilegais. Esses magistrados se pautavam pelos ministros da Corte Suprema, que "ampararam as sistemáticas violações dos direitos humanos por agentes do Estado ou por pessoas a seu serviço", diz o relatório.
O texto também critica a imprensa, que "apresentou o trabalho da repressão como se fosse uma cruzada contra a delinqüência", dando tratamento a líderes da oposição análogo ao que era dado a criminosos.
Uma centena de vítimas e parentes se reuniu ontem diante do palácio de La Moneda, sede do Executivo, para protestar contra reparação material julgada insuficiente. Outros disseram que o relatório é incompleto porque não identifica os torturadores.


Com agências internacionais


Texto Anterior: Em vídeo, Al Zawahiri promete combater EUA
Próximo Texto: Brasil ainda não fechou balanço de suas vítimas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.