São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 2006

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entrevista

Sojicultores brasileiros não serão atingidos

FABIANO MAISONNAVE
DA REPORTAGEM LOCAL

A nova lei de terras boliviana aumenta o poder do Executivo para acelerar a reforma agrária, mas haverá forte oposição, sobretudo no departamento de Santa Cruz, segundo o diretor da Fundação Terra, Miguel Urioste.
Em entrevista por telefone de La Paz, ele previu que os sojicultores brasileiros não serão atingidos pela reforma.
Urioste é considerado um dos grandes especialistas sobre o tema do país. Sua fundação defende a realização da reforma agrária e assessorou leis sobre o assunto em governos anteriores. Leia, a seguir, a entrevista concedida à Folha:

 

FOLHA - A Bolívia fez uma reforma agrária nos anos 1950. É necessária uma nova?
MIGUEL URIOSTE -
Houve reforma agrária apenas na região das montanhas, andina, onde a distribuição foi bem-sucedida. Agora, há propriedades pequenas e médias, porém todos os governos fracassaram nas políticas de desenvolvimento rural. O grande problema na Bolívia é que se fez uma contra-reforma agrária em Santa Cruz, nas terras baixas do país. Os governos militares distribuíram superfícies muito grandes gratuitamente. Essas terras não são trabalhadas e ficam nas mãos de especuladores. Há dez anos, foi aprovada a Lei Inra (Instituto Nacional de Reforma Agrária). É uma lei moderna, que combina elementos de mercado com elementos de Estado, mas foi mal aplicada e não reduziu o latifúndio.

FOLHA - Quais são os pontos principais da nova lei?
URIOSTE -
A lei outorga ao governo o poder para expropriar latifúndios improdutivos de maneira rápida, sem esperar um procedimento longo, de trâmite jurídico. Confere ao Poder Executivo o poder de comprovar se uma terra cumpre ou não o mandato da Constituição, que diz que a terra deve ter função socioeconômica. Uma segunda novidade é que se privilegia a titulação coletiva de terras. Um terceiro ponto importante é que se respeita o direito de propriedade das empresas que trabalham as terras, independentemente do tamanho.

FOLHA - Os sojicultores brasileiros serão afetados?
URIOSTE -
Não. A inserção brasileira na Bolívia é bem-vinda e necessária. Os brasileiros estão entre os mais importantes produtores, em termos de quantidade de soja, e suas terras têm títulos já regularizados. O problema dos latifúndios está nas grandes áreas de gado, onde se faz um uso extensivo da terra.

FOLHA - A reforma agrária se dará em uma região administrada por governadores da oposição. Há risco de conflito civil?
URIOSTE -
Lamentavelmente, há, sim, um risco. Há um forte sentimento em Santa Cruz e no leste de que se trata de uma invasão de índios por um presidente anticruzenho. Santa Cruz se sente vítima do país. Nos últimos anos, houve crescimento de um discurso regionalista e racista, antiindígena.

FOLHA - Num ambiente assim, a estratégia de confronto de Morales não é um grande risco?
URIOSTE -
Aqui, há uma radicalização étnica por parte do primeiro governo indígena da história e, portanto, há um sentimento antielitista. Mas esse sentimento é mais moderado do que o sentimento antiindígena de Santa Cruz. A primeira Lei Inra foi aprovada há dez anos com a mesma reação: paralisação cívica, ameaças de se separar da Bolívia, discursos agressivos contra o altiplano.


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