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entrevista
Sojicultores brasileiros não serão atingidos
FABIANO MAISONNAVE
DA REPORTAGEM LOCAL
A nova lei de terras boliviana aumenta o poder do Executivo para acelerar a reforma agrária, mas haverá forte
oposição, sobretudo no departamento de Santa Cruz,
segundo o diretor da Fundação Terra, Miguel Urioste.
Em entrevista por telefone
de La Paz, ele previu que os
sojicultores brasileiros não
serão atingidos pela reforma.
Urioste é considerado um
dos grandes especialistas sobre o tema do país. Sua fundação defende a realização
da reforma agrária e assessorou leis sobre o assunto em
governos anteriores. Leia, a
seguir, a entrevista concedida à Folha:
FOLHA - A Bolívia fez uma reforma agrária nos anos 1950. É necessária uma nova?
MIGUEL URIOSTE - Houve reforma agrária apenas na região das montanhas, andina,
onde a distribuição foi bem-sucedida. Agora, há propriedades pequenas e médias,
porém todos os governos fracassaram nas políticas de desenvolvimento rural.
O grande problema na Bolívia é que se fez uma contra-reforma agrária em Santa
Cruz, nas terras baixas do
país. Os governos militares
distribuíram superfícies
muito grandes gratuitamente. Essas terras não são trabalhadas e ficam nas mãos de
especuladores. Há dez anos,
foi aprovada a Lei Inra (Instituto Nacional de Reforma
Agrária). É uma lei moderna,
que combina elementos de
mercado com elementos de
Estado, mas foi mal aplicada
e não reduziu o latifúndio.
FOLHA - Quais são os pontos
principais da nova lei?
URIOSTE - A lei outorga ao governo o poder para expropriar latifúndios improdutivos de maneira rápida, sem
esperar um procedimento
longo, de trâmite jurídico.
Confere ao Poder Executivo
o poder de comprovar se
uma terra cumpre ou não o
mandato da Constituição,
que diz que a terra deve ter
função socioeconômica.
Uma segunda novidade é que
se privilegia a titulação coletiva de terras. Um terceiro
ponto importante é que se
respeita o direito de propriedade das empresas que trabalham as terras, independentemente do tamanho.
FOLHA - Os sojicultores brasileiros serão afetados?
URIOSTE - Não. A inserção
brasileira na Bolívia é bem-vinda e necessária. Os brasileiros estão entre os mais importantes produtores, em
termos de quantidade de soja, e suas terras têm títulos já
regularizados. O problema
dos latifúndios está nas grandes áreas de gado, onde se faz
um uso extensivo da terra.
FOLHA - A reforma agrária se dará em uma região administrada
por governadores da oposição.
Há risco de conflito civil?
URIOSTE - Lamentavelmente,
há, sim, um risco. Há um forte sentimento em Santa Cruz
e no leste de que se trata de
uma invasão de índios por
um presidente anticruzenho. Santa Cruz se sente vítima do país. Nos últimos
anos, houve crescimento de
um discurso regionalista e
racista, antiindígena.
FOLHA - Num ambiente assim, a
estratégia de confronto de Morales não é um grande risco?
URIOSTE - Aqui, há uma radicalização étnica por parte do
primeiro governo indígena
da história e, portanto, há
um sentimento antielitista.
Mas esse sentimento é mais
moderado do que o sentimento antiindígena de Santa
Cruz. A primeira Lei Inra foi
aprovada há dez anos com a
mesma reação: paralisação
cívica, ameaças de se separar
da Bolívia, discursos agressivos contra o altiplano.
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