São Paulo, sábado, 31 de março de 2001

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Ação foi resposta aos EUA, diz analista

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

A pressão dos EUA sobre o governo iugoslavo foi crucial para que Belgrado tomasse uma atitude mais enérgica em relação ao ex-ditador Slobodan Milosevic.
A análise é de William J. Buckley, professor na Universidade de Georgetown e editor de "Kosovo: Contending Voices on Balkan Interventions" (Kosovo: vozes discordantes sobre intervenções nos Bálcãs). Leia a seguir trechos de sua entrevista à Folha.

Folha - A prisão de Milosevic, se confirmada, fará a situação política ficar mais instável na Sérvia?
William J. Buckley -
Não creio que muitos sérvios pensem que Milosevic possa ajudá-los agora. O Partido Socialista da Sérvia (PSS, presidido pelo ex-ditador) não é mais muito poderoso e não conseguirá realmente opor-se à detenção de Milosevic. O PSS não tem grande base popular, e as pessoas que o apóiam continuarão a fazê-lo independentemente da prisão de Milosevic.
Também não acredito que haja instabilidade em Kosovo (Província da Sérvia) caso sua detenção seja confirmada. Talvez haja protestos simbólicos na capital iugoslava (e sérvia), Belgrado, porém nada de grande importância.
O presidente iugoslavo, Vojislav Kostunica, está tentando convencer a população de que os próprios sérvios, não a comunidade internacional, decidirão o que acontecerá com Milosevic.
Na verdade, o premiê sérvio, Zoran Djindjic, e Kostunica tentam encarnar os dois extremos do centro na cena política iugoslava. Kostunica desempenha o papel mais conservador, dizendo que as leis sérvias devem ser respeitadas. Assim, o presidente diz o que os iugoslavos desejam ouvir.
Já Djindjic diz à comunidade internacional que o processo democrático está em curso e que não demorará até que ela consiga o que quer (o julgamento de Milosevic pelo Tribunal Penal Internacional, de Haia). Djindjic tenta agradar ao Ocidente.

Folha - A detenção de Milosevic seria um sinal simbólico enviado à comunidade internacional?
Buckley -
É claro que o prazo que os EUA haviam estipulado para analisar a situação iugoslava (31 de março -hoje) foi crucial. Contudo, em Washington, há uma disputa entre dois campos.
De um lado, funcionários de carreira do Departamento de Estado são favoráveis à extensão do prazo ou a que os EUA considerem que as mudanças já ocorridas na Iugoslávia são suficientes para liberar a ajuda financeira da qual Belgrado precisa, pois querem demonstrar que apóiam Kostunica.
Por outro lado, vários republicanos que fazem parte do governo de George W. Bush ou do Congresso sustentam que os EUA devem bloquear o envio de fundos até que Milosevic possa ser julgado em Haia. Na realidade, a ajuda norte-americana não é tão vultosa. A verdadeira questão diz respeito à influência dos EUA sobre o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, que podem oferecer muito mais dinheiro ao governo iugoslavo.
Há, portanto, divisões dentro dos governos dos EUA e da Iugoslávia. Há quatro partes envolvidas na questão, não apenas duas, como poderíamos pensar.

Folha - O sr. crê que Milosevic possa ser julgado em Haia?
Buckley -
Provavelmente, ele deva ser julgado por corrupção ou peculato dentro da própria Iugoslávia. Mas não podemos esquecer que, nos EUA, na primeira metade do século 20, os gângsteres foram encarcerados por crimes financeiros, não por matar pessoas.
Assim, esse tipo de processo já seria um começo e poderia agradar ao governo dos EUA a curto prazo, pois as atenções estão mais voltadas para a Macedônia hoje.



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