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ANÁLISE
O Irã, os EUA e o Iraque
NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
O Irã seria o maior beneficiário
de uma "tempestade regional" a
partir de um Iraque conflagrado.
Em artigo na "New York Review
of Books", um ex-enviado americano ao Oriente Médio, Peter Galbraith, diz que os EUA se tornaram "reféns do Irã no Iraque" e
que isso pode constituir uma
ameaça maior aos interesses americanos do que uma guerra civil
no país ocupado.
Os teóricos neoconservadores
de Bush, arquitetos da intervenção como parte de "redesenho"
da região, entraram em recesso
intelectual, segundo o "Guardian", de Londres.
Os radicais do Hamas venceram
as eleições palestinas, e o Irã se
dispõe a compensar medidas punitivas sobretudo da parte dos
EUA e Israel. O Hizbollah, acusado de receber armas e dinheiro do
Irã, conseguiu boa representação
no Parlamento do Líbano. Nesse
mesmo quadro que o Irã trata de
administrar, em aliança com a Síria, a Irmandade Muçulmana saiu
das catacumbas no Egito e ficou
em segundo lugar nas primeiras
eleições multipartidárias do país.
Ao contrário do que imaginavam
os neocons, as manifestações de
democracia no Oriente Médio
têm servido ao radicalismo islâmico e não à abertura de canais
que levariam a uma "acomodação" com Israel.
EUA e Israel começam a lidar
com a opinião pública árabe, e o
gosto é amargo. Regimes autoritários como interlocutores levaram a acordos com o Egito e a Jordânia. Galbraith afirma que os
EUA não têm boas opções militares nem não-militares para lidar
com a questão nuclear iraniana.
No Iraque, em pouco tempo, as
tropas americanas e britânicas ficariam presas num círculo de fogo, sem meios de "voltar atrás, seguir em frente ou cair fora". Cenários de estrangulamento, com
presença difusa, mas efetiva, do
Irã. O próprio embaixador dos
EUA no Iraque, pró-cônsul com
sinais de desalento, acusou o Irã
de armar e até treinar milícias iraquianas. Bush reiterou a acusação, e entre 30 e 40 especialistas
em Irã passaram pela Casa Branca
recentemente.
Importa sobretudo a influência
iraniana no processo de formação
do "novo Iraque", tão caro ao governo Bush. No bloco xiita dominante, a Aliança do Iraque Unido,
uma das vozes mais ativas no processo de escolha de um novo primeiro-ministro tem sido a de um
clérigo que chefia uma milícia armada, Moqtada al Sadr, inimigo
jurado dos EUA. "A liberdade que
perdemos" é o título de livro editado há algum tempo no Reino
Unido com registros do diário de
uma mulher iraquiana, protegida
pelo pseudônimo de "Riverbend". Ela já via o Iraque pegando
fogo, convencida de que o objetivo da maioria xiita é torna-lo teocracia à imagem do Irã.
O Conselho Supremo para a Revolução Islâmica do Iraque, dominante na aliança xiita, começara a instalar "seções especiais",
em geral perto de escolas, encarregadas de velar pela observância
dos princípios islâmicos. O grupo
foi criado em 1982, no Irã, por exilados árabes xiitas.
Em artigo distribuído mundialmente, Henry Kissinger e George
Shultz, ex-secretários de Estado
americanos, dizem que as primeiras eleições pós-Saddam Hussein,
em janeiro de 2005, resultaram de
um quase-ultimato do grão-aiatolá Ali al Sistani, a mais alta autoridade espiritual xiita do Iraque.
Ele já havia baixado decreto religioso determinando que a nova
Constituição fosse redigida por
eleitos (maioria xiita garantida) e
não por designados pelos ocupantes. E assim aconteceu.
O jornalista Newton Carlos é analista de questões internacionais
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