São Paulo, sexta-feira, 31 de março de 2006

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ANÁLISE

O Irã, os EUA e o Iraque

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Irã seria o maior beneficiário de uma "tempestade regional" a partir de um Iraque conflagrado. Em artigo na "New York Review of Books", um ex-enviado americano ao Oriente Médio, Peter Galbraith, diz que os EUA se tornaram "reféns do Irã no Iraque" e que isso pode constituir uma ameaça maior aos interesses americanos do que uma guerra civil no país ocupado.
Os teóricos neoconservadores de Bush, arquitetos da intervenção como parte de "redesenho" da região, entraram em recesso intelectual, segundo o "Guardian", de Londres.
Os radicais do Hamas venceram as eleições palestinas, e o Irã se dispõe a compensar medidas punitivas sobretudo da parte dos EUA e Israel. O Hizbollah, acusado de receber armas e dinheiro do Irã, conseguiu boa representação no Parlamento do Líbano. Nesse mesmo quadro que o Irã trata de administrar, em aliança com a Síria, a Irmandade Muçulmana saiu das catacumbas no Egito e ficou em segundo lugar nas primeiras eleições multipartidárias do país. Ao contrário do que imaginavam os neocons, as manifestações de democracia no Oriente Médio têm servido ao radicalismo islâmico e não à abertura de canais que levariam a uma "acomodação" com Israel.
EUA e Israel começam a lidar com a opinião pública árabe, e o gosto é amargo. Regimes autoritários como interlocutores levaram a acordos com o Egito e a Jordânia. Galbraith afirma que os EUA não têm boas opções militares nem não-militares para lidar com a questão nuclear iraniana. No Iraque, em pouco tempo, as tropas americanas e britânicas ficariam presas num círculo de fogo, sem meios de "voltar atrás, seguir em frente ou cair fora". Cenários de estrangulamento, com presença difusa, mas efetiva, do Irã. O próprio embaixador dos EUA no Iraque, pró-cônsul com sinais de desalento, acusou o Irã de armar e até treinar milícias iraquianas. Bush reiterou a acusação, e entre 30 e 40 especialistas em Irã passaram pela Casa Branca recentemente.
Importa sobretudo a influência iraniana no processo de formação do "novo Iraque", tão caro ao governo Bush. No bloco xiita dominante, a Aliança do Iraque Unido, uma das vozes mais ativas no processo de escolha de um novo primeiro-ministro tem sido a de um clérigo que chefia uma milícia armada, Moqtada al Sadr, inimigo jurado dos EUA. "A liberdade que perdemos" é o título de livro editado há algum tempo no Reino Unido com registros do diário de uma mulher iraquiana, protegida pelo pseudônimo de "Riverbend". Ela já via o Iraque pegando fogo, convencida de que o objetivo da maioria xiita é torna-lo teocracia à imagem do Irã.
O Conselho Supremo para a Revolução Islâmica do Iraque, dominante na aliança xiita, começara a instalar "seções especiais", em geral perto de escolas, encarregadas de velar pela observância dos princípios islâmicos. O grupo foi criado em 1982, no Irã, por exilados árabes xiitas.
Em artigo distribuído mundialmente, Henry Kissinger e George Shultz, ex-secretários de Estado americanos, dizem que as primeiras eleições pós-Saddam Hussein, em janeiro de 2005, resultaram de um quase-ultimato do grão-aiatolá Ali al Sistani, a mais alta autoridade espiritual xiita do Iraque. Ele já havia baixado decreto religioso determinando que a nova Constituição fosse redigida por eleitos (maioria xiita garantida) e não por designados pelos ocupantes. E assim aconteceu.


O jornalista Newton Carlos é analista de questões internacionais

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