São Paulo, sexta-feira, 31 de maio de 2002

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ARTIGO

"Precisamos chegar a um consenso em relação a Cuba"

JIMMY CARTER

Uma charge publicada enquanto eu estava em Cuba me mostrava sozinho em um pequeno bote salva-vidas no Caribe, rodeado por tubarões. A legenda dizia: "Eu não devia ter pedido ao presidente Bush uma carona para casa".
Na realidade, os objetivos da Casa Branca e do Centro Carter são iguais: ver uma completa liberdade chegar a Cuba e, nesse meio tempo, estabelecer relações amigáveis entre os povos dessas duas nações. Mas os meios para obter esse fim são bem diferentes. Uma abordagem é continuar o esforço em vigor há quatro décadas de isolar e punir Cuba com visitas restritas e um embargo econômico. Outra é permitir aos americanos terem o máximo de contato com os cubanos para que eles vejam claramente as vantagens de uma verdadeira sociedade democrática e sejam estimulados a implementar mudanças estruturadas em sua sociedade.
Nos Estados Unidos, ambos os lados se polarizaram, com alguns imigrantes cubanos com poder de influência política alinhados com a maior parte do governo em Washington para se opor a qualquer mudança significativa em nossa política. Por outro lado, um número crescente de executivos e líderes agrícolas se aliou a congressistas moderados a fim de pedir a redução das tensões e relações mais normais com a população de Cuba. O impasse estagnante tirou de nosso país uma oportunidade de alcançar nossos objetivos comuns.
Há sinais de abertura e reforma em Cuba. Pela primeira vez desde a revolução realizada 43 anos atrás, os cubanos puderam ouvir uma voz clara pedindo liberdade de expressão e reunião, a organização de sindicatos trabalhistas e partidos políticos de oposição, eleições livres e a admissão de inspetores de direitos humanos e da Cruz Vermelha Internacional. Surpreendentemente, e sem que eu solicitasse, o texto inteiro de meu discurso foi transmitido na televisão e no rádio e publicado no "Granma", o jornal oficial.
Nós encontramos um grau de liberdade econômica inesperado. Empresários podem comprar produtos agrícolas de famílias rurais e cooperativas, processar carne, vegetais e frutas e vender os produtos acabados em barracas públicas. Nós visitamos um grande mercado em Havana, com 700 barracas, todas promovendo negócios prósperos. Além disso, alguns proprietários de casas têm licença para alugar quartos vagos a cubanos ou estrangeiros, donos de caminhões podem transportar mercadorias e artesãos podem contratar o serviço deles. Embora modestos para nossos padrões, esses avanços indicam uma flexibilidade não evidente antes.
Há poucas dúvidas de que reformas adicionais sejam obstruídas por exigências severas de Washington ou Miami, que alienam os cubanos e criam a percepção de que qualquer novo movimento seria um sinal de fraqueza. Os dissidentes com os quais nos encontramos em Cuba foram unânimes em querer ver menos retórica severa, mais visitas americanas, fim do embargo econômico no que diz respeito a comida e remédios e nenhuma conexão financeira direta ou indireta entre eles e o governo dos EUA. O desafio agora é chegar a um consenso ao lidar com Cuba em que o Congresso, grupos privados e a administração possam cooperar.
Há algumas possibilidades que seriam úteis aos cidadãos cubanos sem conferir a nenhum dos lados uma vitória política ou de propaganda. A chave é realçar as relações pessoa-a-pessoa, especialmente através de intercâmbios culturais. Isso envolveria, naturalmente, diversão e esporte, mas também ciência, medicina, educação e agricultura.
Cuba tem um excelente sistema de educação e saúde. Alianças entre especialistas cubanos e americanos nesses campos poderiam ser benéficas para ambos os países. Outra necessidade é começar debates discretos entre americanos de origem cubana moderados e líderes cubanos, talvez orquestrados por partidos neutros. Ambos os governos teriam de suavizar sua política em relação à concessão de vistos.
Algumas acusações foram levantadas sobre bioterrorismo. É verdade que cientistas cubanos têm capacidade técnica de produzir toxinas, como muitos milhares de outros no mundo todo. A melhor forma de responder à questão e evitar qualquer tentação de atividades ilícitas é que os pesquisadores trabalhem lado a lado em laboratórios e troquem informações livremente em conferências internacionais. A mulher do ministro das Relações Exteriores de Cuba é uma cientista médica renomada que se especializou em câncer. Ela sempre teve liberdade de participar de conferências que tenham a ver com o seu trabalho, mas os EUA se recusaram a lhe conceder um visto enquanto nós estávamos em Havana. Seria útil eliminar essas restrições.
Uma oferta recíproca que já existe é a ação de providenciar bolsas universitárias a estudantes de graduação. O presidente George W. Bush ofereceu recentemente essa oportunidade a estudantes cubanos, e o presidente Fidel Castro ofereceu seis anos de educação médica a futuros médicos dos Estados Unidos.
Visitas diretas de cidadãos em geral também são úteis. Um programa notável é a Força Amizade, que propicia essa oportunidade a americanos que queiram ir a Cuba. Os viajantes permanecem em hotéis durante três noites e em casas particulares durante o restante da semana, com a possibilidade de observar pessoalmente como nossos vizinhos geográficos vivem.
Eu gostaria de ver um comércio irrestrito e visitas entre Cuba e os Estados Unidos, assim como desejariam muitos americanos e um forte e crescente grupo de imigrantes cubanos em Miami. Até que esse objetivo seja politicamente possível, nós deveríamos adotar outros passos modestos em direção à reconciliação.


O ex-presidente dos EUA Jimmy Carter (1977-81) preside o Centro Carter, em Atlanta, uma organização não-governamental que afirma ter como um de seus principais objetivos a promoção de saúde e educação. No meio deste mês, Carter foi autorizado pela Casa Branca a visitar Cuba, onde se reuniu com Fidel Castro. Foi o primeiro encontro de um ex-presidente americano com o ditador cubano desde o rompimento das relações diplomáticas entre os dois países, em 1961. A viagem do ex-presidente foi agendada após convite de Fidel


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