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São Paulo, quinta-feira, 31 de julho de 2003

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"GUERRA SUJA"

Presidente apóia revogação de leis; outros quatro países se preparam para pedir extradição

Kirchner quer julgar repressores na Argentina

ELAINE COTTA
DE BUENOS AIRES

O presidente da Argentina, Néstor Kirchner, defendeu ontem que os acusados de abusos contra os direitos humanos durante a última ditadura militar (1976-1983) sejam julgados na Argentina.
Kirchner disse considerar que as leis do Ponto Final e da Obediência Devida, que garantiram a impunidade aos militares e ex-militares acusados de abusos, devem ser declaradas inconstitucionais. As leis, que entraram em vigor no governo Raúl Alfonsín (1983-1989), para acalmar os militares após tentativas de golpe, já foram julgadas inconstitucionais pela Justiça, mas a Suprema Corte ainda deve dar a palavra final.
"Os repressores deveriam ser condenados na Argentina, só não foram ainda porque há leis que favorecem a impunidade", disse.
A Justiça ordenou na semana passada a prisão de 46 ex-repressores cuja extradição é requerida pela Espanha. A prisão foi ordenada após Kirchner revogar decreto de 2000 que impedia a extradição de ex-repressores.
A possibilidade de que que argentinos sejam extraditados e julgados por outros países tem gerado polêmica. Alguns analistas dizem que a medida fere a soberania nacional e que os ex-repressores devem ser julgados no país.
Segundo pesquisa do instituto Ricardo Rouvier & Asociados, divulgada ontem, 65% dos moradores da Grande Buenos Aires defendem que os ex-repressores detidos sejam julgados no país.
Após ser questionado sobre a questão, Kirchner afirmou que deve-se "terminar com a hipocrisia da soberania de que que têm que ser julgados na Argentina". "Se desaparecerem as normas que geraram a impunidade, poderão ser julgados na Argentina", disse.
"São duas normas que foram obtidas sob a extorsão de um golpe de Estado", disse Kirchner. "Acho que seria bom se o Congresso sancionasse a nulidade das leis. Espero que não tenha questionamentos do tipo jurídico."
O Congresso também estuda a possibilidade de anular as leis, medida questionada por juristas. Eles dizem que os legisladores não têm poder para isso pois ambas as leis foram aprovados pelo Congresso durante um governo democrático. Segundo eles, só a Suprema Corte tem poder para declará-las inconstitucionais.
Para militantes de organizações de defesa dos direitos humanos, os torturadores devem ser punidos, em qualquer país. "O ideal seria julgá-los aqui, mas como isso não é possível, que seja fora do país", disse Hebe Bonafini, da Associação Mães da Praça de Maio.

Mais pedidos
França, Alemanha, Itália e Israel preparam-se para encaminhar à Argentina mais pedidos de extradição para julgar ex-repressores argentinos. A França quer pedir a extradição do ex-oficial da Marinha Alfredo Astiz. Em 1990, ele foi condenado à prisão perpétua por tribunais franceses por participar do sequestro e assassinato de duas freiras franciscanas.
Astiz, 50, conhecido como "Anjo Loiro", está ainda numa lista de sete ex-militares extraditáveis elaborada pela Itália. No seu caso, a Justiça argentina definiria para qual país seria concedida a extradição. A decisão dependerá do número de casos e da importância de cada um deles. A conclusão de um processo de extradição pode levar meses, às vezes anos.
O governo argentino também espera solicitações da Alemanha e de Israel. O Parlamente israelense encaminhou ao primeiro-ministro Ariel Sharon uma resolução que pede o julgamento de ex-militares argentinos que cometeram crimes contra judeus na ditadura.


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