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São Paulo, domingo, 08 de junho de 2003


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Cartões, porta-retratos e outras pequenas peças são a porta de entrada de entidades sociais nas empresas

Adesão começa com brinde "solidário"

Fernando Moraes/Folha Imagem
Loja Projeto Terra, em SP, que comercializa produtos artesanais feitos por comunidades carentes


DA AGÊNCIA FOLHA

No último Dia das Mães, 1.200 funcionárias da Telefônica de São Paulo receberam da companhia um presente que ia além da simples lembrança da data. Cada uma delas ganhou um porta-retratos produzido por pessoas portadoras de deficiência mental.
O dinheiro pago pelas peças vai ajudar a manter a instituição que dá assistência a essas pessoas, além de contribuir positivamente para a imagem da empresa e para a melhoria do ambiente interno. Dadas as vantagens, não é à toa que a opção por brindes "solidários" cresceu entre empresários.
"Fizemos pesquisas internas para saber como as mães receberam o presente. O retorno foi muito positivo", afirma o superintendente de administração de recursos humanos da Telefônica, Antônio Fernando Branquinho.
O investimento social das corporações, que inicialmente tinha apenas um sentido -o da organização para as comunidades carentes-, começa a ser uma via de mão dupla. Pouco a pouco, algumas empresas optam por consumir produtos feitos por comunidades carentes, anteriormente excluídas do mercado.
O brinde "solidário" pode ser a porta de entrada desse produto para o mundo corporativo.
Segundo Paulo Itacarambi, diretor-executivo do Instituto Ethos, a adoção do brinde "solidário" é o primeiro passo para incentivar as empresas a seguir adiante no sentido de incorporar em suas atividades rotineiras peças feitas por comunidades carentes ou pessoas deficientes.
"Ao decidir a compra, é possível que [a empresa] se pergunte se não pode adquirir produtos de comunidades sem acesso ao mercado formal. Há empresas que pensam assim", diz Itacarambi.

Trabalho contínuo
Geralmente, a opção pelo brinde "responsável" é uma consequência de outras ações filantrópicas desenvolvidas anteriormente pela companhia interessada.
A distribuição de um porta-lápis feito pela comunidade do Morro do Amaral, em Joinville (SC), por exemplo, foi a forma de a Amanco Brasil, empresa de produtos hidrossanitários, fechar o ciclo de geração de renda da comunidade, iniciado a partir de um trabalho social desenvolvido na comunidade vizinha à sede da empresa catarinense.
"Todo projeto social deve ter um aspecto não só de caridade, mas um conceito auto-sustentável", defende André Fauth, diretor comercial da Amanco Brasil.
De acordo com ele, a marca direcionou para a comunidade o gasto normal que teria com a compra dos brindes. Como resposta, "o ambiente dentro da empresa melhorou muito".
Júlia Dimianos, gerente de marketing da indústria de essências Capuani do Brasil, diz que a ajuda às comunidades não tem apenas caráter assistencialista, como no passado. "Fazemos negócios que se revertem em benefícios também para a companhia."
Ela afirma ainda que é o próprio viés comercial que garante a continuidade da ajuda. "A caridade pode ser uma "onda". A pessoa faz quando bate um arrependimento. Quando a relação acontece na base de um negócio, tende a continuar, pois traz benefícios para todas as partes envolvidas", avalia.
A limitação para que o produto "solidário" entre definitivamente para o dia-a-dia do mundo empresarial como um item de consumo ainda é o alto preço. "Dependendo do produto, o custo começa a pesar. Por mais valor agregado que tenha o artigo "solidário", não dá para substituir tudo na empresa", afirma Dimianos.

Inovação
Há dois anos, o escritório contábil Assess, em São Paulo, decidiu inovar na distribuição de brindes de final de ano. Em vez de oferecer as tradicionais agendas, os donos do escritório encomendaram peças exclusivas feitas por portadores de deficiência mental.
"Preferimos gastar a verba que tínhamos para ajudar essas pessoas", diz Maria de Lourdes de Sousa Uoya, que na época trabalhava como voluntária na Alternativa (Associação de Assistência ao Excepcional), entidade beneficente que atende adultos com deficiência mental em São Paulo.
"O retorno foi muito bom. Os clientes ficaram sensibilizados quando perceberam que estavam recebendo um produto que não havia sido feito em série, mas fruto de um trabalho manual, feito por pessoas que tinham dificuldades", lembra Sousa Uoya.
A encomenda teve de ser feita com meses de antecedência para que os artesãos dessem conta do pedido. Cada uma das 30 peças -revisteiros, abajures, cestos- foi encomendada com base no cliente que iria recebê-la.
O tempo e o volume limitado da produção não chegam a ser um impedimento para o brinde "solidário", dizem os empresários.
"Não somos uma máquina que, ao apertar um botão, solta 5.000 brindes do outro lado. As encomendas têm de respeitar a cultura e o ritmo dos cooperativados. Mas 98% dos casos são atendidos com sucesso", contabiliza Fernanda Magaldi, coordenadora comercial do Espaço Mundaréu, em São Paulo. A loja seleciona comunidades de artesãos de diversos Estados do país.
Para Soeni Domingos Sandreschi, coordenadora institucional da Adere (Associação de Assistência ao Excepcional), o brinde "responsável", além de fonte de recursos para a instituição, contribui para sensibilizar as pessoas e reduzir a resistência da sociedade em relação aos portadores de deficiência. Segundo ela, em maio a venda de brindes para empresas representou 50% do volume de recursos obtidos com a comercialização de produtos pela Adere.



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