Índice geral New York Times
New York Times
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Para Sinead O'Connor, uma paz frágil

Por RAVI SOMAIYA

COUNTY WICKLOW, Irlanda - Quando Sinead O'Connor abriu a porta de sua casa, alguns dias atrás, usando uma camiseta com os dizeres "propriedade de Jesus" e uma boina de lã na cabeça, deixando de fora apenas seus olhos intensos, seu tom de voz era de exaustão. "Estou fisicamente cansada de uma maneira que nunca antes estive na vida", disse ela. "É quase como se meu sangue tivesse virado chumbo."

Sinead contou que os problemas começaram quando ela decidiu que, depois de 20 anos vivendo sob os holofotes da imprensa -mais memoravelmente depois de rasgar uma foto do papa na TV ao vivo, em 1992, para protestar contra os abusos de crianças cometidos por clérigos da Igreja Católica-, não deixaria que o mundo "me impedisse de ser eu mesma".

No verão passado, ela recorreu a seu site na internet para procurar um homem. Escreveu que estava tão sedenta de sexo que "até objetos inanimados estão começando a me parecer atraentes". No dia 8 de dezembro, seu 45° aniversário, ela se casou em Los Angeles com um candidato que atendeu a seu apelo -um irlandês chamado Barry Herridge, de 38 anos, que presta atendimento a jovens dependentes químicos.

Em seguida, ela divulgou cada passo dos altos e baixos do relacionamento em tuítes e em seu blog, desencadeando uma enxurrada de manchetes irônicas. (Sinead diz que ela e Herridge estão juntos outra vez e apaixonados.)

Ordenada no sacerdócio por um grupo católico independente, em 1999, ela saiu do armário em 2000, declarando-se lésbica, mas depois mudou de ideia. No mundo on-line, ela tem se deixado reger unicamente por seus caprichos, por mais sombrios que possam ser. Em 11 de janeiro, lançou um grito de socorro em tuítes, pedindo um psiquiatra. Tinha embarcado num avião com comprimidos na bolsa e tentado uma overdose.

Mesmo as pessoas que tinham ironizado seus excessos se chocaram com a notícia.

Enquanto isso, a repercussão crescia. Em novembro, Sinead cantou músicas de seu novo álbum num concerto pequeno em Londres. Um crítico do "London Evening Standard" disse que o show provocou "arrepios na espinha". "Sinead O'Connor parece ter se perdido por algum tempo, mas agora se reencontrou", escreveu.

O novo álbum, "How About I Be Me (and You Be You)?", funde idealismo com cinismo, amor com perdas. Em seus melhores momentos, como na faixa "Reason With Me", sua intensidade se iguala ao aclamado álbum de estreia da cantora, "The Lion and the Cobra", de 1987.

"Sinead é uma pessoa muito emotiva e ser uma pessoa emotiva neste mundo às vezes é muito sofrido", explicou John Reynolds, seu ex-marido e colaborador de longa data. "Mas é por isso mesmo que as pessoas se identificam com a música que ela cria."

Sinead é chamada por alguns de louca, conta ela, e isso dói. Após o incidente da overdose, ela se internou numa clínica psiquiátrica. Agora, disse, está aprendendo a aceitar que é uma pessoa boa. Enquanto tomamos café, ela se mostra erudita, profana e confiante, até o momento em que deixa de ser confiante. Em dado momento, pergunta se é boa ou má.

Em sua casa, entre brinquedos infantis e estátuas de Jesus (há também um pôster dos "Dez Mandamentos dos Indígenas Americanos" e um violão com a bandeira rastafári), Sinead se mostra calma, com a atenção voltada a seus filhos pequenos, de cinco e oito anos, e os meio-irmãos deles, de 16 e 24. Ela comenta que muitas vezes precisa encontrar um ponto de equilíbrio entre sua impulsividade e as necessidades de sua família.

Mesmo assim, falou, "não acho que eu precise realmente pedir desculpas". Para ela, os julgamentos que são feitos a seu respeito estão ligados a seu gênero. "Ninguém pergunta a Mick Jagger se ele já acalmou o facho."

Sinead diz que, até certo ponto, sua vida ainda é definida pelo fato de ter sido brutalmente espancada por sua mãe quando era criança. "O que eu tenho é estresse pós-traumático devido aos abusos."

Sua nova conta no Twitter é acessível apenas às pessoas que conhece. Agora ela promete não se abrir demais on-line, porque, como escreveu, quer ser conhecida apenas pelas duas coisas das quais se orgulha: "fazer música e combater o Vaticano".

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.