São Paulo, segunda-feira, 04 de abril de 2011

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Arte sai da pele rumo à galeria

Por CAROL KINO
Quando o artista tatuador mexicano conhecido como Dr. Lakra chegou a Nova York para sua primeira mostra solo na cidade, em fevereiro, foi diretamente para a biblioteca pública de Nova York. Ele começou a pesquisar alguns dos temas que o fascinam, como instrumentos médicos do século 19, bruxaria e antropologia.
"Sempre vou a bibliotecas públicas quando viajo", revelou. "Estou à procura de imagens."
Os resultados podem ser vistos na mostra deste artista de 39 anos, em cartaz até 23 de abril no Drawing Center, no SoHo.
A mostra consiste em desenhos murais gigantes construídos em volta de fitas de tinta que se metamorfoseiam em coisas diferentes, entre elas chumaços de cabelo, pedestais coroados por estátuas, rostos, animais e órgãos internos. Na parede mais distante, um crânio de um metro de altura encara um retrato ainda mais alto de um guerreiro maori.
É uma mudança em relação ao trabalho em menor escala que fez a reputação de Dr. Lakra: desenhos semelhantes a tatuagens que ele faz sobre objetos encontrados, como bonecas, brinquedos e fotos de mulheres com pouca roupa, tiradas de revistas de meados do século passado.
"Lakra é um artista muito mais complexo do que as pessoas percebem", disse seu amigo de longa data e marchand Jose Kuri, sócio da galeria Kurimanzutto, na Cidade do México.
Nascido na Cidade do México com o nome Jerónimo López Ramírez, Dr. Lakra é o filho mais velho da antropóloga e poeta Elisa Ramírez Castañeda e do pintor Francisco Toledo, uma das grandes figuras culturais mexicanas. Adolescente rebelde, abandonou a escola e passava seus dias no mercado de rua El Chopo, na capital mexicana, onde havia um cenário nascente de tatuagem.
Naquela época, ele contou, a tatuagem era associada à subclasse criminosa mexicana. Em pouco tempo, ele e seus amigos passaram a praticar a arte uns nos outros, usando equipamentos improvisados a partir de agulhas de costura e motores de tocadores de fitas cassete.
"Colocávamos a tinta na tampa da cerveja que estávamos tomando ou então lavávamos uma tampa que encontrávamos na rua", ele contou. Foi nessa trajetória que ele ganhou seu apelido: "Dr." porque carregava seus equipamentos em uma maleta de médico e "lacra", termo mexicano que designa uma marca ou cicatriz na pele, também usado para designar escória.
Ao mesmo tempo, contudo, ele levava uma vida paralela no mundo das artes. Depois de abandonar a escola, Dr. Lacra frequentou um workshop comandado por Gabriel Orozco, onde seus colegas incluíram Gabriel Kuri, Abraham Cruzvillegas e Damian Ortega, hoje figuras líderes do novo cenário mexicano. Foi também assim que ele conheceu seu marchand, José Kuri, irmão mais velho de Gabriel. Os outros integrantes do workshop formaram o coletivo Temistocles 44, no qual exploraram a performance e o conceitualismo. Dr. Lakra mudou-se para Berlim, onde passou dois anos pedindo esmolas e vivendo em prédios abandonados. Em 1993, foi viver em Oakland, na Califórnia, atraído pelo cenário dos tatuadores da cidade.
Ele conheceu o artista tatuador Don Ed Hardy em uma convenção de tatuadores. Impressionado com os desenhos de Dr. Lakra, Hardy ajudou o artista mais jovem. Foi Hardy quem proporcionou a Dr. Lakra sua estreia em uma galeria de Nova York, incluindo-o em uma mostra de tatuagens que organizou no Drawing Center em 1995.
Dr. Lakra já havia retornado à Cidade do México e montado seu estúdio de tatuagens. Começou a expor seu trabalho no espaço La Panaderia, comandado por artistas, e a criar murais de rua.
Kuri o atraiu para a Kurimanzutto pouco depois de a galeria ser aberta, em 1999, e Dr. Lakra não demorou para perceber os benefícios de estar associado a uma galeria comercial.
"Eles vendiam meus desenhos por duas ou três vezes o preço que eu conseguia em convenções de tatuadores", ele explicou. "Eu nem precisava discutir."


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