São Paulo, segunda-feira, 06 de setembro de 2010

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China enfrenta rebelião dos ex-bancários

Sem emprego, hábeis na web, e ameaçando Pequim

Por ANDREW JACOBS
PEQUIM - Com seus trajes conservadores, esses ex-bancários são improváveis agitadores. Mas eles estão firmemente determinados, e há dois anos protestam em Pequim e outras cidades.
Eles já ocuparam agências bancárias. Alguns poucos, mais corajosos ou imprudentes, foram à praça Tiananmen distribuir panfletos de apoio à causa.
Como muitas outras estatais chinesas, os bancos enxugaram suas folhas de pagamento e se reestruturaram para se tornarem mais lucrativos e mais atraentes aos olhos dos investidores.
Segundo Wu Lijuan, ex-caixa de banco envolvida na organização dos protestos, há pelo menos 70 mil pessoas buscando recuperar seus antigos empregos ou receber compensação monetária. "Eles nos jogaram fora como lixo", afirmou Wu, 44, antes de participar de uma recente manifestação.
Os bancários -educados, organizados e hábeis no uso da internet- estão conseguindo burlar a vigilância dos agentes de segurança pública, porque se organizam por meio de fóruns on-line e de mensagens de texto, falando em código e frequentemente alterando seus números telefônicos.
"O que o governo mais teme são as pessoas capazes de se organizar, e os bancários descobriram seu poder", disse Renee Xia, diretora internacional do grupo Defensores dos Direitos Humanos Chineses. "O triste é que eles não vão ter sucesso, porque, quanto mais organizado você é, mais dura se torna a reação do governo."
Os organizadores dos protestos com frequência são jogados em prisões extrajudiciais e agredidos. Os recalcitrantes podem acabar em campos de trabalhos forçados, onde passam até três anos sem serem processados por um crime.
Os anos de protestos infrutíferos e dificuldades econômicas cobraram um preço. Segundo os líderes dos protestos, dezenas de ex-bancários já cometeram suicídio.
"Estar na meia-idade e depender dos seus pais idosos é humilhante, e pode se tornar insuportável", disse Huang Gaoying, 49, caixa demitido em 2002 do banco ICBC.
Yi Xianrong, acadêmico do Centro de Pesquisas Financeiras, parte da Academia Chinesa de Ciências Sociais (ligada ao governo), disse que os bancários são vítimas desafortunadas da necessária reformulação de um setor visivelmente inchado.
"Numa economia centralmente planejada, as pessoas eram colocadas em certas unidades sem que se levasse em conta a verdadeira necessidade", disse. "Simplesmente não importava se você realmente trabalhava ou não."
Yi não se solidariza com os ex-empregados, dizendo que eles aceitaram pacotes de demissão voluntária.
Muitos dos trabalhadores discordam, frequentemente dizendo que foram obrigados a aceitar indenizações irrisórias.
Bancários com mais de 40 anos foram os primeiros escolhidos, e não houve margem para negociação (no ICBC, a indenização-padrão foi em torno de US$ 370 por ano trabalhado).
Wu, contratada numa agência do ICBC em Hubei (centro) ao completar o ensino médio, disse ter sido várias vezes apontada como "trabalhadora modelo". Mas em 2004, quando o banco se preparava para lançar ações, ela foi um dos 160 mil funcionários demitidos. A compensação oferecida, afirmou, era simplesmente inaceitável, muito abaixo do que esperava.
A odisseia dos últimos seis anos incluiu ações judiciais, uma petição endereçada aos principais líderes da China e a invasão do escritório do gerente-geral da agência. Depois que o marido se divorciou dela, Wu se mudou para Pequim. Sobrevive catando material reciclável e posando para artistas.
Nos dias seguintes ao recente protesto, enquanto outros eram soltos, Wu continuava sob custódia. "Estou definitivamente preocupado com ela", disse seu filho, Xiao Yang, 22. "Mas não há nada que eu possa fazer", completou.


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