São Paulo, segunda-feira, 09 de agosto de 2010

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Coreia do Norte tem enclave capitalista

Vínculo econômico é valorizado na península Coreana

Por MARTIN FACKLER
DORASAN, Coreia do Sul - Todos os dias, centenas de administradores e engenheiros sul-coreanos se encontram no terminal de ônibus de Dorasan para um trajeto estranho, em meio a campos minados na zona desmilitarizada, até chegar a um parque industrial logo além da fronteira com a Coreia do Norte.
E, embora as tensões na península Coreana estejam no seu ponto mais alto nos últimos anos, por causa do naufrágio da corveta sul-coreana Cheonan, em março, o Norte continua permitindo que os sul-coreanos entrem no Complexo Industrial de Kaesong, onde 121 empresas, a maioria do Sul, empregam 44 mil trabalhadores norte-coreanos.
Num momento em que as Coreias trocam ameaças de confronto militar e rompem a maior parte dos seus laços econômicos e diplomáticos, o complexo de Kaesong continua sendo uma exceção notável.
Principal vínculo econômico criado durante uma fase de distensão, há quase uma década, ele continuou operando mesmo após o incidente naval de março e o fim de outros projetos conjuntos.
A Coreia do Sul atribui o naufrágio do navio Cheonan a um torpedo norte-coreano. A Coreia do Norte nega veementemente a acusação e promete retaliar contra eventuais novas sanções da ONU. Em 25 de julho, os EUA e a Coreia do Sul iniciaram seu maior exercício militar conjunto em anos, e a Coreia do Norte teria colocado suas forças em alerta de guerra.
Até agora, no entanto, as duas Coreias parecem relutar em mexer demais com o parque industrial.
Analistas políticos dizem que isso acontece porque nenhuma das duas partes se sente em condições de fechá-lo.
Para o isolado Norte, o complexo injeta US$ 50 milhões mensais na sua combalida economia, gerando divisas e empregos.
Observadores da Coreia do Norte dizem que ele é também um dos poucos êxitos econômicos que o regime tem a apresentar para o seu povo, num momento em que seu ditador, Kim Jong-il, parece orquestrar a sucessão do poder a seu filho.
Para a vibrante economia do Sul, seu lucro anual com o complexo, de US$ 250 milhões, é desprezível.
Kaesong tem mais significado emocional, como símbolo de que as duas Coreias podem um dia se reunificar pacificamente.
Especialistas e empresários que tratam com o Norte dizem também que a ascensão econômica da China torna o parque industrial importante para as duas Coreias.
Empresas sul-coreanas esperam que a Coreia do Norte possa se tornar uma fonte de mão de obra barata com a qual competir contra a máquina exportadora chinesa, enquanto o Norte parece preocupado com a sua excessiva dependência econômica em relação à China, principal aliado político do regime.
"Nenhuma das Coreias quer ser responsável por fechar Kaesong, por causa do seu papel na nossa história", disse Yoo Chang-geun, presidente da SJ Tech, empresa sul-coreana do setor eletrônico que tem uma fábrica no complexo.
Nada disso impediu que ambas as Coreias usassem o parque industrial no seu confronto envolvendo o Cheonan.
O Sul reduziu para cerca de 500 o número de sul-coreanos que estão autorizados a viver no complexo. O Norte ameaçou repetidamente fechar o parque industrial -na última vez, para pressionar o Sul a não voltar a usar alto-falantes na fronteira para fins de propaganda.
Numa manhã recente, os administradores e engenheiros sul-coreanos no futurista terminal de ônibus de Dorasan diziam que o naufrágio do navio Cheonan os deixou nervosos a respeito das suas idas à Coreia do Norte. Os administradores disseram que as mensagens norte-coreanas nos alto-falantes do complexo qualificavam de ficção a versão do Sul para o incidente naval.
Muitas empresas que construíram fábricas no complexo dizem que ainda não obtiveram lucro, em parte porque os empregados norte-coreanos não são tão produtivos quanto seus concorrentes chineses.
Embora alguns administradores digam cogitar uma retirada, outros parecem decididos a colocar as considerações políticas acima das econômicas.
"Estamos em Kaesong por razões de patriotismo e também de negócios", afirmou Yoo, da SJ Tech, que diz ter perdido US$ 4 milhões desde que começou a investir no complexo, em 2004. "Estou espalhando as sementes do capitalismo na Coreia do Norte."


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