São Paulo, segunda-feira, 10 de outubro de 2011

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Arte & Estilo

Em Pequim, mostra aborda o clima

Por EDWARD WONG

PEQUIM - Quando George Mallory visitou as gigantescas geleiras no sopé do monte Everest, no Tibete, antes de sua malfadada tentativa de escalar a montanha, tirou fotografias e apontou o esplendor. "Eis uma forma pura de beleza, uma espécie de harmonia máxima", escreveu. Quase 90 anos depois, outro montanhista e fotógrafo, David Breashears, viajou à mesma paisagem remota do Himalaia e descobriu que mais de 101 metros verticais da geleira de Rongbuk haviam derretido.
As fotos que Breashears trouxe como prova da mudança climática compõem o núcleo de uma exposição multimídia aberta no mês passado numa prestigiosa galeria fotográfica de Pequim, na China, a Three Shadows.
Na mesma sala estão as fotos feitas por Breashears em oito expedições à geleira, projetadas em um vídeo panorâmico, e projeções menores com imagens de autoria de fotógrafos chineses, documentando algo que muitos cientistas apontam como uma das principais causas da mudança climática. Elas foram tiradas em minas de carvão milhares de quilômetros a leste da geleira.
A exposição "Coal + Ice" ("carvão + gelo"), produzida pela Asia Society, de Nova York, é uma ambiciosa tentativa de chamar a atenção para o impacto causado em longo prazo pelo incansável apetite humano por energia.
Os organizadores pretendem levá-la ainda a Berlim, a Nova York e ao Brasil, entre outros lugares.
O degelo do planalto tibetano, onde ficam localizadas as cabeceiras de grandes rios asiáticos, ameaça a vida e a subsistência de milhões de pessoas ao longo desses cursos fluviais.
Os cientistas dizem que a mudança climática é responsável também pela crescente imprevisibilidade e força das tempestades no mundo todo, e isso está representado aqui nas fotos do americano Clifford Ross, mostrando imensas ondas na costa de Long Island, a leste da cidade de Nova York, nos EUA.
"Gosto dessa ideia de juntar gelo e fogo", afirmou um dos fotógrafos, Yu Haibo, 49, que tem documentado a vida dos mineiros de carvão da região.
A exposição é a primeira na memória recente a ocupar todo o espaço da Three Shadows, que foi concebida pelo polêmico artista Ai Weiwei e inaugurada em 2007 por Rong Rong e Inri, dois baluartes da cena artística de Pequim. Os visitantes passam inicialmente por uma seção com fotos impressas documentando a extração de carvão, principalmente na China. Em seguida vêm as projeções em vídeo de algumas dessas imagens, e a enorme projeção das fotos de Breashears feitas nas geleiras das cordilheiras do Himalaia e de Karakoram.
Finalmente, há uma sala com as fotos de Ross mostrando as ondas de Long Island, e imagens de paisagens chinesas devastadas pelas abruptas mudanças climáticas recentes. "Susan e eu tentamos tecer uma narrativa em que as fotos falassem por si", disse Jeroen de Vries, curador da mostra ao lado de Susan Meiselas, fotógrafa da agência Magnum. "Não queríamos usá-las como ilustrações de uma reportagem."
Embora muitas das imagens na exposição retratem a dependência da China em relação ao carvão, os curadores tiveram o cuidado de incluir fotografias ocidentais antigas, tiradas por Robert Capa, Lewis Hine e outros, que mostram a proeminência histórica da mineração de carvão nos Estados Unidos e na Europa.
"Não queríamos que a exposição fosse uma forma dissimulada de culpar a China, e sim que ajudasse a chamar a atenção para o fato de que a China e a Ásia toda serão profundamente afetadas no próximo século pelos efeitos da mudança climática no planalto tibetano", disse o escritor e jornalista Orville Schell, que supervisionou a exposição de imagens pela Asia Society.
Muitas das fotos da década de 1970 mostrando mineiros chineses seguem o clássico estilo de propaganda. Uma delas mostra um grupo dentro de um túnel, posando em torno de um grande retrato de Mao Tse-tung e segurando exemplares do Livro Vermelho maoísta.
Atualmente, vários artistas chineses estão procurando formas de retratar as condições das minas e da vida dos seus trabalhadores. Geng Yunsheng, 57, que também tem fotos na exposição, começou a se interessar pelo tema em 1995, quando viu pela primeira vez as casas onde moram os mineiros na província de Henan.
"Eles viviam numa pobreza tal que as pessoas comuns não poderiam nem sequer imaginar."
No mês passado, um dia depois da abertura, Ross olhou para as imagens em preto e branco das ondas estourando numa praia, feitas por ele mesmo, e perguntou: "O que fizemos com a natureza para aumentar a sua fúria?".

ON-LINE: "COAL + ICE"
Para fotos da exposição em Pequim, visite
nytimes.com/arts/design
Procure por "coal" e "ice"



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