São Paulo, quinta-feira, 10 de novembro de 2011

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ARTE & ESTILO

Spielberg volta à ação com foco em público infanto-juvenil

Um cineasta aclamado que é movido pelo medo

Por MICHAEL CIEPLY

LOS ANGELES - A linha divisória entre a arte e o comércio pode ser um lugar assustador.
Steven Spielberg já teve o público na palma de sua mão por inúmeras vezes. Aos 64 anos de idade, ele não é apenas o diretor de cinema de maior sucesso de todos os tempos; as vendas de ingressos de seus filmes nos Estados Unidos chegam a US$ 3,8 bilhões, o dobro das vendas somadas de seus dois rivais mais próximos, Robert Zemeckis e James Cameron.
Mas Spielberg, o artista, já precisou superar muitas dificuldades, como se os próprios sucessos de bilheteria fossem obstáculos a serem transpostos.
Quem poderia esquecer a grande humilhação de 1986, quando "A Cor Púrpura" recebeu 11 indicações ao Oscar -embora nenhuma fosse para a direção de Spielberg-, mas não levou nenhum prêmio para casa?
Spielberg recebeu seu primeiro Oscar em 1987, um troféu honorário Irving G. Thalberg. Depois de algumas campanhas intensivas viriam mais três estatuetas, por "A Lista de Schindler" e "O Resgate do Soldado Ryan".
Foram muito menos que os sinais de reconhecimento dados a Walt Disney, com suas 26 estatuetas, ou até mesmo a Billy Wilder, 7, ou Francis Ford Coppola, 6.
Ultimamente, Spielberg vem trabalhando como se seu objetivo fosse diminuir essa diferença.
Ele vai participar da corrida pelo Oscar com dois trabalhos: o ambicioso filme de animação em 3D "As Aventuras de Tintim: O Segredo do Licorne" e o drama de época "Cavalo de Guerra", baseado num livro infanto-juvenil cuja adaptação para o palco, na Broadway, recebeu o Tony de melhor peça em junho. Os dois filmes serão lançados nos Estados Unidos no Natal, respectivamente em 21 e 25 de dezembro.
"Tintim" foi lançado na maior parte da Europa em outubro, e o resto do mundo assistirá ao filme neste mês. "Cavalo de Guerra" chegará aos cinemas no final de dezembro.
Spielberg se negou a ser entrevistado sobre esses filmes. Ele estava ocupado com "Lincoln", um drama sobre os últimos meses de vida de Abraham Lincoln, protagonizado por Daniel Day-Lewis. Se "Lincoln" for lançado no final de 2012, Spielberg terá dirigido três filmes em um ano.
E os filmes vêm somar-se às empreitadas na televisão. É um ritmo de trabalho que surpreende até mesmo a Kathleen Kennedy, produtora que trabalha com Spielberg há mais de 30 anos. "Ele muitas vezes escolhe projetos por razões emocionais", disse ela.
Para quem se pergunta sobre o que move o cineasta (o dinheiro não entra nesse cálculo: o "Los Angeles Business Journal" recentemente identificou Spielberg como a oitava pessoa mais rica da cidade, com fortuna líquida avaliada em US$ 3,2 bilhões), Spielberg deixou algumas pistas. Possivelmente a mais reveladora delas foi incluída no ano passado no catálogo de uma exposição montada no Museu Smithsonian de Arte Americana de obras de Norman Rockwell das coleções de Spielberg e George Lucas.
No catálogo, Spielberg comenta a tela "Boy on High Dive" (Menino sobre um Trampolim), em que um garoto está agachado na ponta de um trampolim de mergulho, olhando para baixo com medo. "Para mim, essa pintura representa cada filme antes de eu me comprometer em dirigi-lo", diz.
A pintura é sobre o medo, e o mesmo se aplica aos filmes de Spielberg deste ano.
Em "As Aventuras de Tintim", baseado na série clássica do artista belga Hergé sobre as aventuras de um repórter adolescente e seu cãozinho, Spielberg utiliza magia digital para transmitir um senso de ameaça assustadora.
Nesse sentido, "Tintim" forma um conjunto com "Cavalo de Guerra", sobre um menino -representado por Jeremy Irvine- que segue seu cavalo para mergulhar na Primeira Guerra Mundial.
Em um e-mail, Spielberg discordou, dizendo que cada filme "é o oposto polar" do outro.
Indagado sobre o que deseja para o cinema como um todo, Spielberg, no e-mail, disse que gostaria de ver tanta paixão ser dedicada ao trabalho de contar histórias e à "descoberta de novas vozes" quanto vem sendo voltada à busca por novas tecnologias.
Com seus filmes mais recentes, o diretor parece determinado a explorar a força da juventude.
Ele já falou antes que o medo de uma criança está no cerne de sua arte. "Eu nasci um sujeito muito nervoso. Acho que fazer cinema foi uma maneira de transferir meus terrores particulares para a vida de todo o mundo", ele disse em reportagem à revista "Rolling Stone" em 2007.
E ele vem trabalhando para expulsar essa ansiedade de sua vida profissional, ao mesmo tempo em que luta para preservá-la e intensificá-la em filmes como "Cavalo de Guerra" e "Tintim".
O compositor John Williams, parceiro de anos de Spielberg, falou da diversidade da obra do diretor e dos desafios técnicos novos.
Há isso. E há o pânico eterno de um garoto que quer que todo o mundo -o público e a Academia- ame seus filmes e que está dando um mergulho de um trampolim.


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