São Paulo, segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

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Líderes em Moscou são alvo de (algum) humor

Por ELLEN BARRY

MOSCOU - De um ponto de vista puramente técnico, não é impossível fazer humor às custas de Vladimir Putin. O formato de sua cabeça lembra o de uma lâmpada, e suas pálpebras são pesadas, dando a impressão de que ele acaba de ler o dossiê de seu interlocutor. Ele tem nariz pontudo, um andar confiante e levemente arrogante e um pendor por posar sem camisa.
Mas caricaturas do premiê russo são algo que desapareceu há muito tempo da TV, que é controlada pelo Estado. Dez anos atrás, os criadores do programa "Kukly" foram submetidos a pressões tão fortes do Kremlin para aposentar seu fantoche grotesco de Putin que reagiram, com certa ironia, retratando-o como arbusto em chamas.
O programa acabou sendo cancelado, e desde então reina a cautela. Um programa de entrevistas, "Política Real", incluiu Putin em charges, mas ele era visto apenas do pescoço para baixo.
Assim, as reações foram de surpresa quando, recentemente, pouco depois da meia-noite, animações tridimensionais de Putin e do presidente Dmitri Medvedev apareceram num especial de Ano-Novo do Canal Um, o mais importante da TV russa.
As duas figuras animadas sapatearam e cantaram uma canção ligeiramente ousada sobre gasodutos e a dívida da Ucrânia. Não chegou a ser chocante, exceto pelo seguinte: segundo Konstantin Ernst, diretor do canal, as figuras representando Putin e Medvedev serão acrescentadas ao elenco regular do programa "Mult Lichnosti", que satiriza figuras públicas.
O consultor político Gleb Pavlovski, que assessora o Kremlin, disse que "a capacidade de fazer humor está reaparecendo" após um longo hiato que ele atribuiu principalmente ao medo. "O que se vê por enquanto é uma seleção muito cuidadosa dos alvos", disse Pavlovski, ex-apresentador do programa "Política Real".
"Mas acho que não vai acontecer nada de assustador se a seleção foi ampliada. É claro que isso não pode acontecer da noite para o dia, porque ainda existe a visão de que o presidente deve estar acima das disputas, em um nível mais alto, onde não corra o risco de ser atingido por uma maçã podre."
Mas críticos do governo dizem que não há sinais de que a sátira política será autorizada a voltar para a TV russa, que é abertamente favorável aos líderes nacionais.
Os primeiros três episódios de "Mult Lichnosti" lançam suas farpas contra alvos que não trazem riscos: astros pop e políticos que não têm a aprovação do Kremlin. Líderes americanos também estão presentes: Barack Obama, fazendo dribles com uma bola de basquete, e a secretária de Estado, Hillary Clinton, derretendo-se para o chanceler russo como se fosse uma colegial apaixonada.
Apenas os líderes russos, ao que tudo indica, estão imunes à ironia. Enquanto eles não puderem ser alvos de ridículo igual, isso não será sátira, disse Viktor Shenderovich, que escreveu roteiros para o "Kukly" e, desde então, virou ativista da oposição. "Um satirista é alguém que critica as autoridades", disse Shenderovich, dando um humorista americano como exemplo.
"Jon Stewart criticava Bush e hoje critica Obama. Mas [no 'Mult Lichnosti'] não se veem [Ramzan] Kadyrov [presidente da república russa da Tchetchênia], Putin ou Medvedev."
"É uma simulação", disse Shenderovich. "E uma simulação de sátira pode ser pior que uma ausência de sátira."


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