São Paulo, segunda-feira, 12 de julho de 2010

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Na França, diversidade e mérito são ideais em duelo

Por STEVEN ERLANGER
PARIS - A França está embarcando em uma grande experiência -como diversificar as "grandes écoles", as universidades de elite predominantemente brancas que produziram líderes franceses em todos os setores da sociedade.
Como a entrada nas melhores dessas escolas efetivamente garante os melhores empregos, o governo as está incentivando a aumentar a porcentagem de alunos com bolsas para 30% -mais que o triplo da proporção atual nas faculdades mais seletivas.
Mas a iniciativa tem causado preocupações nas "grandes écoles", que temem que ela possa diluir os padrões, e provocando irritação nos franceses, que temem que isso vá contra o ideal francês da meritocracia, que não leva em conta raça, religião ou etnia.
A França se imagina um país de "virtude republicana", uma meritocracia dirigida por uma elite que emerge de um sistema educacional competitivo. Em seu ápice estão as "grandes écoles", cerca de 220 faculdades de especialidades diversas.
No topo dessa pirâmide há um punhado de instituições famosas que só aceitam alguns milhares de alunos por ano, ao todo.
"Na França, as famílias comemoram a admissão em uma grande escola mais que a própria formatura", disse Richard Descoings, que dirige a mais liberal delas, o Instituto de Estudos Políticos de Paris, conhecido como "Sciences Po". "Depois que você passa no exame, aos 18 ou 19 anos, faz parte [da escola] para o resto da vida."
O resultado, segundo críticos, é uma elite de brancos ricos que se perpetua, oferecendo a seus próprios filhos as técnicas sociais, o apoio financeiro e o conhecimento cultural para passar nos exames de admissão, conhecidos como "concours".
As grandes escolas temem que o governo prejudique a excelência em nome da engenharia social e dizem que a diversificação deve começar mais embaixo na escada educacional. Segundo elas, o Estado deveria procurar estudantes pobres com potencial e ajudá-los a ingressar nas escolas preparatórias. Dos 2,3 milhões de estudantes no ensino superior francês, cerca de 15% frequentam as grandes escolas ou escolas preparatórias.
Em fevereiro, sob pressão, a Conferência das Grandes Escolas, que representa 222 instituições de elite, assinou uma "Carta de Oportunidades Iguais" com o governo, comprometendo-se a tentar alcançar a meta de 30% até 2012 ou correr o risco de perder parte do financiamento.
Em 2001, Descoings, 52, começou seu próprio programa de preparação de estudantes menos abastados para a Sciences Po. Em 2009, a escola aceitou 126 alunos com bolsas, de uma classe de 1.300, e dois terços deles têm pelo menos um dos pais não francês, segundo ele. Mas isso está muito longe da meta de 30%.
Oualid Fakkir, 23, que faz mestrado em finanças, disse: "É muito perigoso para a França fechar os olhos e dizer: 'Igualdade. Nós temos os melhores valores do mundo'. Isso não basta. Também precisa haver igualdade de oportunidades".
O problema não é simplesmente a base estreita da elite, mas sua autossatisfação. "A França tem muitos problemas com inovação", disse Descoings. Os que passam nos exames "são extremamente inteligentes e capazes, mas a questão é: Você é criativo? Você está disposto a correr riscos? Liderar uma batalha?". São qualidades pouco testadas nos exames.
A ministra da Educação Superior, Valérie Pécresse, afirmou que os franceses que crescem em um bairro pobre têm as mesmas dificuldades, independentemente da etnia. "Estamos pensando no caráter socialmente discriminatório, ou não, desses exames", ela disse.
"Eu quero o mesmo 'concours' para todos, mas não excluo que os exames evoluam, visando uma grande abertura social e uma melhor avaliação da inteligência dos jovens."


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