São Paulo, segunda-feira, 14 de junho de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CIÊNCIA & TECNOLOGIA

Um colapso nervoso - ou o nome que tiver


Clássico esgotamento mental agora é "síndrome de burnout"

Por BENEDICT CAREY
Décadas atrás, a medicina moderna praticamente baniu o colapso nervoso. O termo, quase sem sentido de tão banalizado, vinha de uma era avessa a falar abertamente sobre transtornos mentais.
Mas, como um vírus teimoso, a expressão sofreu uma mutação.
Nos últimos anos, psiquiatras da Europa vêm diagnosticando o que chamam de "síndrome de burnout" ["burnout" significa combustão completa], termo mais recente para os colapsos emocionais que há muito se abatem sobre a humanidade, derivando às vezes de dificuldades mentais graves ou, com mais frequência, amenas. Nas primeiras décadas do século 20, muita gente simplesmente se referia a um esgotamento -em inglês, "Crack-Up", nome de uma coleção de ensaios de 1936 em que F. Scott Fitzgerald falava do tema.
E antes houve a neurastenia, aflição nervosa amplamente diagnosticada e não definida, que causava praticamente qualquer sintoma que as pessoas quisessem acrescentar.
Mas os historiadores da medicina dizem que, por sua versatilidade e poder descritivo, seria difícil melhorar o "colapso nervoso". Cunhado em torno de 1900, o termo teve seu auge em meados do século 20 e ainda ecoa. Um estudo recente mostrou que 26% dos participantes de uma pesquisa nacional em 1996 relatavam já ter sofrido um "colapso nervoso impeditivo"; em 1957, só 19% descreviam isso.
"'Colapso nervoso' é um daqueles robustos termos antigos, como 'melancolia' e 'doença nervosa', que não foram realmente superados, embora soem antiquados", afirmou por e-mail o historiador Edward Shorter.
A maioria dos médicos sempre achou a expressão inexata, pseudocientífica e muitas vezes enganadora. Mas essas foram precisamente as qualidades que lhe deram um lugar tão duradouro na cultura popular, segundo alguns acadêmicos. "Ele tinha suficiente sanção médica para ser útil, mas não dependia da sanção médica para ser usado", disse Peter Stearns, historiador da Universidade George Mason, nos arredores de Washington.
Ter um colapso nervoso não era pouca coisa nas décadas de 1950 e 60. Os psiquiatras de hoje dizem que, com frequência, isso era um código para um episódio de depressão severa -ou psicose, os delírios que muitas vezes sinalizam a esquizofrenia.
"Não me lembro de pessoas que recebessem esse rótulo usando-o jamais como sua própria queixa -era estigmatizado demais", disse Nada Stotland, ex-presidente da Associação Psiquiátrica Americana e professora da Faculdade Médica Rush, de Chicago.
O caráter vago do termo tornava impossível investigar a prevalência de qualquer problema específico: ele poderia significar qualquer coisa, de depressão a mania ou embriaguez. E minimizar esses detalhes era algo que fazia as pessoas se perguntarem se estavam sozinhas em sua miséria. Mas essa mesma imprecisão permitia a quem fala controlar o significado. Ser vago preserva a privacidade.
Shorter disse que o termo "nervoso" implicava que a causa era algo físico, além do controle da pessoa -nervos danificados, não a mente. "As pessoas aceitavam a noção de colapso nervoso muitas vezes porque era interpretada como uma categoria com a qual se poderia lidar sem ajuda profissional", concluiu uma análise de 2000 feita por Stearns, Megan Barke e Rebecca Fribush.
A popularidade do termo, escreveram eles, revelava "uma antiga necessidade de manter alguma distância dos diagnósticos e tratamentos puramente profissionais". Muitos faziam justamente isso, e voltavam ao trabalho e à família. Outros precisavam de diagnósticos mais específicos e buscavam tratamento.
Na década de 1970 já havia mais drogas psiquiátricas disponíveis, e os médicos atacavam a ideia de que as pessoas pudessem administrar os colapsos por conta própria.
Os psiquiatras passaram então a "fatiar" problemas como depressão e ansiedade em dezenas de categorias, e as percepções públicas mudaram também. Em 1976, 26% das pessoas admitiam procurar ajuda profissional, enquanto em 1947 eram só 14%, segundo a análise de Stearns. E o "colapso nervoso" começou a cair em desuso.
O mesmo destino pode ou não aguardar a "síndrome de burnout". Mas ela ainda vai levar 30 anos para superar em duração o clássico "colapso".


Texto Anterior: Dicas de como fazer as malas, por quem ganha a vida viajando

Próximo Texto: Fósseis esclarecem mistério cambriano
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.