São Paulo, segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

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Titãs de Wall Street vivem vida de parias

Por DAVID SEGAL


Após muitos anos dourados, ex-executivos perdem sua reputação

A carreira de 11 anos de Iris Chau no JP Morgan acabou no último dia 2, e ela diz que vai sentir falta de muita coisa de seu emprego, incluindo seus colegas, seu salário e seu papel de gerente. Mas uma coisa da qual não sentirá saudade é dizer às pessoas que trabalha no banco.
"Por anos, foi um trabalho mais ou menos glamouroso. Alguns amigos me pediam emprego", contou Chau, 35, afetada por uma rodada recente de demissões na sede da empresa em Manhattan. Há algumas semanas ela mencionou onde trabalhava a um homem que conheceu. "Ele me olhou e disse: 'Então você é uma deles'."
Hoje em dia ninguém que atua no mundo dos bancos de investimentos espera ser tratado com pena nem ser ouvido em clima solidário. Mas, enquanto o resto dos EUA se enfurece com os bilhões de dólares gastos em pacotes de socorro do governo e abonos de fim de ano, o setor financeiro ganhou o papel de pária nacional e uma série de preocupações.
Há rodadas intermináveis de implosões corporativas que temer. Há o senso amplo dessas pessoas de virarem bodes expiatórios de uma crise que muitos atores ajudaram a criar -entre eles, os proprietários de imóveis residenciais, que se banquetearam com as benesses que Wall Street ajudou a oferecer nos anos de fartura. E, além de tudo isso, há muito mal-estar com a perda catastrófica de reputação sofrida pela profissão. Wall Street tornou-se alvo da ira popular, matéria-prima para invectivas em talk shows na TV, de ocasionais protestos de rua e de muitas piadas maldosas.
Uma charge política recente do "The Record", um jornal de Hackensack, Nova Jersey, mostra ratos fugindo de um navio afundando, rotulado "Wall Street". Eles estão carregando baús de tesouro marcados "executivo-chefe" e "bônus".
No programa de sátira política na TV "The Daily Show", Jon Stewart exibiu um clipe no qual o executivo-chefe do Merrill Lynch, John A. Thain, defende os bônus para conservar seus "melhores profissionais". "Vocês não têm melhores profissionais!", gritou o apresentador. "Vocês perderam US$ 27 bilhões! Será que vivem num mundo de faz-de-conta?"
Tudo isso é motivo de sofrimento para os poucos veteranos do setor que se dispõem a comentar o assunto. "Eu quase que preferiria dizer que sou produtor pornográfico", disse um executivo aposentado de Wall Street, que pediu para não ser identificado. "Esse pelo menos é um negócio que as pessoas entendem."
Financistas fazem seu próprio relato da crise hipotecária, que segue a seguinte linha: por décadas os americanos pouparam pouco e gastaram demais, confiando na alta dos valores dos imóveis para financiar seus estilos de vida. Mas ninguém em Wall Street obrigou os donos de imóveis nos EUA a contrair empréstimos com base em casas que não podiam pagar,ou a refinanciar hipotecas para gastar com carros que não deveriam ter comprado.
Os títulos de crédito complexos subjacentes à confusão atual são, para as pessoas que os inventaram e venderam, análogos a drogas farmacêuticas. Empregados corretamente, podem melhorar a vida de quem os usa. Mal utilizados, são letais.
É claro que erros foram cometidos em Wall Street, diz Emanuel Pleitez, 26, ex-funcionário do Goldman Sachs. Mas, em grande medida, diz ele, esses erros nasceram de confiança mal dirigida. "Poderíamos passar o dia todo falando de obrigações de dívida avalizadas", disse ele, referindo-se a um tipo de título de crédito garantido por ativos que virou podre. "Mas havia agências de classificação que deveriam nos informar o grau de risco desses títulos. Essencialmente, fechamos os olhos e dissemos 'ok, vocês dizem que esse título é classificado como AAA [o nível mais confiável], então eu acredito'." Olhando em retrospectiva, diz ele, "todos deveriam ter sido mais céticos".
Também se ouve falar muito das falhas dos reguladores. Mas é difícil encontrar alguém no setor que pense que o problema está na própria Wall Street.
"As pessoas dizem 'a culpa é do Fed [Banco Central dos EUA], porque havia tanto dinheiro não regulamentado por aí'", disse Luis Rinaldini, funcionário do banco mercantil Groton Partners. "Mas os caras que dirigem bancos são pagos para ser cautelosos quando há dinheiro não regulamentado dando sopa."
A ironia é que, não obstante as percepções públicas, as manifestações de ultraje com a cobiça de Wall Street estão acontecendo justamente enquanto as firmas ficam mais cuidadosas. No JP Morgan, contou Iris Chau, a direção começou a restringir o uso de material de escritório, a tal ponto que hoje o funcionário que precisa de uma caneta nova é obrigado a pedir a chave do almoxarifado a uma secretária.
Mas Robert Birnbaum, ex-presidente da Bolsa de Nova York, vê um lado positivo na perda de reputação. "Wall Street foi atingida, mas e daí?", disse ele. "Não precisamos que todas as pessoas inteligentes do país trabalhem em Wall Street, à caça do dinheiro. Há muitas coisas que elas podem fazer."


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