São Paulo, segunda-feira, 16 de agosto de 2010

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Índia debate como resolver pobreza extrema

Por JIM YARDLEY

JHABUA, Índia - No interior de um precário hospital, os filhos de Ratan Bhuria estão abraçados na enfermaria de subnutrição, os dois à beira da fome terminal. Nani, 4, pesa 9 kg; o irmão dela, Jogdiya, tem dois anos e pesa 3,6 kg.
Camponeses sem terra, analfabetos e endividados, Bhuria e seus filhos doentes chegaram cambaleando à enfermaria, depois de procurar sem sucesso a ajuda dos serviços sociais indianos. Deveriam receber comida e combustível para cozinhar subsidiados pelo governo. Mas não recebem.
As crianças mais velhas deveriam estar matriculadas em uma escola e recebendo uma refeição gratuita ao dia. Mas não estão. E seu caso não é exceção: os oito mais pobres Estados indianos abrigam mais pessoas abaixo da linha da pobreza -o total foi estimado em 421 milhões- do que os 26 países mais pobres da África somados, diz um estudo recente.
Para o Partido do Congresso, que governa a Índia, essa persistente incapacidade de fazer com que o governo funcione em benefício de pessoas como Bhuria resultou em um debate ideológico: será que o governo deve começar a desmantelar o antigo e ineficiente sistema estatal de distribuição de alimentos e, em vez disso, distribuir cupons de alimentação, ou dinheiro, aos indianos pobres?
Essa reconsideração é estimulada por uma proposta que causa cisão nas fileiras do Partido do Congresso. A presidente da legenda, Sonia Gandhi, pressiona pela criação de um direito constitucional à alimentação e pela expansão dos benefícios existentes, de modo a que cada família se qualifique para um pacote mensal de alimentação com 35 kg de cereais, açúcar e querosene -benefícios que ajudariam o partido a obter votos.
Muitos economistas e defensores do livre mercado argumentam que o sistema atual precisa ser desmantelado, e não expandido, e que distribuir cupons em montante equivalente à cesta básica libertaria os pobres do aparelho estatal canhestro e permitiria que comprassem o que preferissem.
"A questão é determinar se deve existir um papel para o mercado na implementação de programas sociais", disse Bharat Ramaswami, economista rural no Instituto Estatístico Indiano. "Será que é possível aproveitar o mercado para esse fim?"
A capacidade ou incapacidade da Índia em propiciar uma vida melhor aos seus pobres provavelmente determinará nas próximas décadas se o país se tornará ou não uma potência econômica mundial.
A Índia superou a escassez de alimentos com a revolução verde dos anos 60, que introduziu cereais de alto rendimento, fertilizantes e irrigação expandida; e o país tem uma das economias de mais rápido crescimento no mundo. Mas seus índices de fome e pobreza continuam terríveis.
O sistema de distribuição de alimentos existe há mais de meio século e está eivado de ineficiência e corrupção. Estudos demonstram que 70% de seu orçamento anual de cerca de US$ 12 bilhões é desperdiçado, roubado ou absorvido por custos burocráticos.
A proposta de Gandhi, ainda longe de se tornar lei, por enquanto foi reduzida de maneira a introduzir o direito à alimentação em apenas 200 dos mais pobres distritos indianos, entre os quais Jhabua, no Estado de Madhya Pradesh.
Madhya Pradesh tem um dos mais elevados índices de pobreza e subnutrição infantil do planeta e demonstra a necessidade de mudança no sistema de distribuição de alimentos. Há alguns meses, o funcionário que supervisionava os serviços estaduais de desenvolvimento infantil foi detido por roubo de verbas. Em Jhabua, a imprensa recentemente reportou a morte de diversas crianças, em função da subnutrição.
No hospital distrital, Bhuria diz que solicitou três vezes uma carteira oficial de racionamento alimentar, mas que o funcionário local não a concedeu. O debate em torno do sistema parece uma abstração em boa parte de Jhabua, onde pobreza e fome se irmanam. Na enfermaria de subnutrição, o médico I. S. Chauhan diz que Jogdiya, o mirrado menino de dois anos, tem pneumonia, diarreia e possivelmente tuberculose.
Bhuria, o pai, viajou na metade de julho, em busca de trabalho temporário, mas voltou quando a situação de Jogdiya e Nani se agravou. Ele sentiu que não tinha escolha em partir, apesar de desaconselhado por amigos. "A família não tinha o que comer", disse.


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