São Paulo, segunda-feira, 16 de agosto de 2010

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Mulheres afegãs temem perder modestas conquistas

Por ALISSA J. RUBIN

MAHMUD-E RAQI, Afeganistão - Os precários direitos das mulheres no Afeganistão começam a desmoronar, como novas vítimas da luta que se intensificou em muitas partes do país.
As escolas para meninas estão fechando; mulheres trabalhadoras são ameaçadas, e seus defensores, atacados; as famílias aterrorizadas cada vez mais confinam suas filhas em casa.
Enquanto os governos afegão e ocidentais avaliam uma reconciliação com o Taleban, as mulheres temem que a paz tão desejada possa vir não com um ganho, mas com uma nova erosão de seus direitos.
"As mulheres não querem guerra, mas nenhuma quer de novo o Taleban de 1996; ninguém quer ficar presa nos quintais de suas casas", disse Rahima Zarifi, a representante do Ministério das Mulheres na Província de Baghlan, no norte. "Isso vai arruinar nossa vida", disse Shougoufa, 40, enquanto escolhia lantejoulas no bazar da cidade de Pul-i-Khumri.
"Sou costureira e preciso vir ao bazar comprar essas coisas", ela disse. "Mas se o Taleban vier, não poderei. Já ouvimos falar que algumas garotas não podem mais trabalhar."
Nas salas de descanso de professores, em sessões de treinamento nos salões de beleza, nos bazares e na privacidade de suas casas, jovens temem que seus pais as casem cedo para não serem obrigadas a se casar com membros do Taleban.
No bairro de Taghob, dominado pela etnia pashtun, no oeste de Cabul, as escolas para meninas foram fechadas, e o aprendizado é feito em casa, disse o diretor de educação da Província.
Isso não perturba algumas autoridades locais.
"Veja, nossa maior prioridade é alimentar a população, fornecer descanso e proteger suas vidas", disse Haji Farid, membro do Parlamento local. "Por que as pessoas estão preocupadas com educação e em mandar as meninas à escola? Os meninos caminham 3, 4, 5 km até as escolas. Como uma garota pode andar 2, 3, 4 km? Durante uma guerra não se pode mandar uma garota sair de casa."
Em Candahar, Helmand e Zabul, todas Províncias instáveis no sul do país, as escolas para meninas estão funcionando nas capitais, mas nos distritos são poucas ou nenhuma.
Na Província de Zabul, poucas famílias mandam suas filhas à escola por causa das lutas, disse Muhammad Alan, diretor do Departamento de Educação local.
Na Província de Baghlan, no norte, a situação das mulheres piorou no último ano. Zarifi, a representante das Mulheres, sofreu tentativas de assassinato. Três meses atrás, uma membro do conselho provincial ficou paralisada em um ataque, e outra foi morta a facadas no centro da capital, no início de julho.
Em comparação, a maior parte da Província de Kapisa, a nordeste de Cabul, é pacífica. Existe um programa de mediação na capital para ajudar mulheres e meninas que sofrem violência doméstica.
No norte, de maioria étnica tadjique, há grandes escolas para meninas, onde as famílias permitem que as moças casadas completem o colegial.
Embora a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, tenha prometido que qualquer acordo com o Taleban que negociasse a paz em troca dos direitos das mulheres fosse "uma linha vermelha", as mulheres estão preocupadas.
Os defensores das mulheres temem que elas estejam sendo cada vez mais afastadas das decisões políticas.
"Neste momento é um grande desafio para as mulheres ir à escola e trabalhar, mas, pelo menos segundo a nossa Constituição e as nossas leis, elas têm esses direitos", disse Nargis Nehan, 31. "Se o Taleban voltar, as mulheres serão reprimidas por lei e não poderão sair de casa."
Na Província de Zabul, as famílias de mulheres que trabalham em escritórios são ameaçadas, disse Rahima Jana, diretora do Departamento de Assuntos das Mulheres local. "A segurança é um grande desafio, não podemos trabalhar quando a segurança é frágil", disse Jana. "O ano passado foi muito melhor que este."
Em Mahmud-e Raqi, 12 adolescentes sentadas ao redor de um pequeno baú cheio de utensílios de beleza assistiam a uma instrutora demonstrar como aparar as pontas de cabelos.
As garotas de 15 a 17 anos tinham sido autorizadas a vir de suas aldeias para a capital; elas vão levar para casa um baú de produtos de beleza e poderão ganhar seu sustento trabalhando em casa.
Essa oportunidade de determinar um pouco seu futuro é o que elas temem que seja ameaçado se o Taleban regressar por meio de um acordo de paz negociado.
"Eles vão nos bater e nos proibir essa liberdade, a liberdade de vir aqui e ter esta aula; eles vão nos impedir de fazer coisas", disse Biboli, 16, uma garota com longos cabelos castanhos mal cobertos por um fino véu branco.


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