São Paulo, segunda-feira, 16 de agosto de 2010

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Migrantes se queixam de abuso trabalhista no Japão

Por HIROKO TABUCHI

HIROSHIMA, Japão - Vindos de toda a Ásia, cerca de 190 mil estagiários estrangeiros, na faixa etária entre pouco menos de 20 e pouco mais de 30, labutam em fábricas e lavouras no Japão. Foram trazidos ao país, teoricamente, para obter qualificação técnica sob um programa de ajuda internacional lançado pelo governo japonês na década de 1990.
Mas críticos dizem que os estagiários estrangeiros viraram fonte de mão de obra barata, num dos países com a menor taxa de natalidade e o maior ritmo de envelhecimento populacional em todo o mundo. Praticamente fechado à imigração, o Japão enfrenta uma grave escassez de mão de obra.
Para as empresas, os programas públicos de estágio oferecem uma brecha para contratar estrangeiros. Mas, com pouca proteção jurídica e atados a um contrato, esses trabalhadores ficam expostos a condições de trabalho inadequadas, às vezes letais, segundo os críticos.
Os registros oficiais mostram que pelo menos 127 estagiários morreram desde 2005 -1 em cada 2.600, aproximadamente, o que especialistas dizem ser uma mortalidade elevada para jovens que tiveram de passar por rigorosos exames médicos para conseguir o estágio.
O Ministério da Justiça encontrou mais de 400 casos de maus tratos a estagiários em empresas de todo o Japão em 2009, inclusive o não pagamento dos salários obrigatórios e a exposição a condições perigosas. Em julho, inspetores trabalhistas concluíram que um estagiário chinês de 31 anos, Jiang Xiaodong, morreu de insuficiência cardíaca provocada por sobrecarga de trabalho.
Há quase três anos a filipina Catherine Lopez, 28, trabalha até 14 horas por dia, às vezes seis dias por semana, soldando peças num fornecedor da montadora de automóveis Mazda. Ela recebe US$ 7,91 por hora -abaixo do salário mínimo de US$ 8,83 para os operários automotivos de Hiroshima.
Lopez diz que os gerentes japoneses da fábrica, a Kajiyama Tekko, habitualmente lançam impropérios contra a sua turma de seis estagiários, dizendo para que cumpram as ordens ou "nadem de volta para as Filipinas". "Viemos para o Japão porque queríamos aprender tecnologia avançada", disse Lopez.
Yukari Takise, uma das gerentes da Kajiyama Tekko, negou as acusações. "Se eles não gostam daqui, podem ir para casa", afirmou ela.
Questionada, a empresa Ateta Japan, envolvida na organização dos estágios, disse ter orientado a Kajiyama Tekko a recalcular os salários pagos aos estrangeiros e ordenou que conceda os dias de férias a que os estagiários têm direito.
Sob pressão de entidades de direitos humanos e de vários processos judiciais, o governo começou a tratar de alguns dos piores abusos do programa. A ONU aconselhou o Japão a eliminá-lo.
Após um ano de treinamento, durante o qual os trabalhadores estrangeiros recebem uma ajuda de subsistência inferior ao salário mínimo, os estagiários são autorizados a trabalhar por mais dois anos nos níveis salariais normais. Mas entrevistas com especialistas em mercado de trabalho e com 12 estagiários indicam que os estrangeiros raramente obtêm a mesma renda que os japoneses.
No papel, o pagamento prometido soa sedutor para os estrangeiros. Muitos são da China rural, onde a renda per capita pode ser de apenas US$ 750 por ano. Para obter vaga no programa, os candidatos ao estágio pagam muitas vezes essa quantia em taxas e depósitos a intermediários locais, às vezes empenhando suas casas como garantia.
A Organização do Japão para a Cooperação no Treinamento Internacional, que opera o programa, disse estar ciente dos abusos, procurando coibi-los. A entidade disse, em uma resposta por escrito, que pretende assegurar que "os estagiários recebam proteção jurídica e que os casos de fraude sejam eliminados".
Como parte do esforço do governo para recuperar o programa, desde 1° de julho o salário mínimo e outras proteções trabalhistas pela primeira vez se aplicam a trabalhadores em seu primeiro ano. O governo também proibiu o confisco dos passaportes dos estagiários. Mas especialistas dizem que será difícil alterar a cultura do programa.
As restrições econômicas também pesam. Enquanto grandes empresas, como Toyota e Mazda, transferiram grande parte da sua produção para a China, aproveitando os baixos salários de lá, para empresas menores isso é impossível -e, mesmo assim, elas são pressionadas a cortar custos.
"Se essas empresas contratassem operários japoneses, teriam de pagar", disse Kimihiro Komatsu, consultor de questões trabalhistas em Hiroshima. "Mas os estagiários trabalham por um mínimo. O Japão não pode se dar ao luxo de parar."


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