São Paulo, segunda-feira, 17 de novembro de 2008

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ELEIÇÕES 2008 NOS EUA

Eles apoiaram Obama na campanha, mas alguns não se sentem apoiados por ele

Eleito frustra muçulmanos nos EUA

Por PAUL VITELLO

Para eles, era fácil amar o candidato. Com a mesma paixão e os mesmos motivos que outros milhões de jovens, eles adoraram o apelo de Barack Obama ao ativismo, a promessa de mudança, a novidade que ele representa. Duro foi não poder demonstrar isso por serem muçulmanos.
“Eu me mantive afastada, porque não queria aparecer com um broche do Obama para as pessoas me olharem e dizerem: ‘Uma menina muçulmana o apóia, a-há!’”, disse Sule Akoglu, 17, caloura da Universidade de Nova York, que usa um lenço na cabeça.
Como praticamente todos os alunos muçulmanos reunidos no Centro Islâmico da universidade no dia seguinte à eleição, Akoglu descrevia uma mistura de alegria e frustração pela inédita eleição de um negro como presidente dos Estados Unidos.
Ele fez uma grande campanha e rompeu muitas barreiras. Mas o persistente rumor de que Obama seria muçulmano levou seu comitê a tomar atitudes que desagradaram aos estudantes, como demitir um funcionário muçulmano alegando motivos fúteis ou retirar duas jovens muçulmanas, de cabeça coberta, do campo de visão das câmeras durante um comício.
E o candidato, conhecido por sua habilidade com as palavras, nunca disse o que eles esperavam. “Na minha comunidade, as pessoas me perguntavam: ‘Quem nós apoiamos?’”, disse Meherunnisa Jobaida, aluna de jornalismo e moradora da região nova-iorquina do Queens. “A pessoa que está fazendo o estereótipo? Ou a pessoa que não está nos defendendo?”
Quem finalmente saiu em defesa deles foi o ex-secretário de Estado Colin Powell, quando anunciou seu voto em Obama, em outubro. Respondendo a uma pergunta sobre a religião do candidato, Powell disse: “Bom, a resposta correta é que ele não é muçulmano, é cristão. Sempre foi cristão. Mas a resposta realmente correta é: E daí se ele é? Há algo de errado em ser muçulmano neste país?”.
A recém-formada Lina Sayed disse que essa alusão tão clara feita por Powell a um princípio essencial dos EUA a tirou de uma alienação que ela já aceitara, e da qual era quase inconsciente. “Eu tinha esquecido do sonho americano, esquecido que algo assim era possível”, afirmou.
O Centro Islâmico da universidade atende cerca de 2.000 alunos que se declaram muçulmanos. Há atividades como patinação e boliche, mas também um lugar para instrução religiosa, orações diárias e reuniões regulares, onde os estudantes são convidados a falar. Embora seja uma amostra pequena, a opinião desses estudantes —a maioria nascida nos EUA, em famílias de imigrantes do sul da Ásia e Oriente Médio— em geral reflete os resultados de pesquisas e trabalhos acadêmicos recentes.
O centro Gallup para Estudos Muçulmanos, por exemplo, apontou neste ano um apoio maciço a Obama entre os cerca de 2 milhões de eleitores muçulmanos dos EUA. E Jen’nan Ghazal Read, professor de sociologia na Universidade Duke, especialista no estudo dos padrões de assimilação desse grupo nos EUA, descreveu a resignação com que muitos muçulmanos viam o termo “muçulmano” ser repetidamente usado de forma pejorativa durante a campanha.
“É um eleitorado muito sóbrio e maduro”, disse Read em teleconferência com jornalistas. “Eles entendem a realidade.”
Sufia Ashraf, caloura do curso de medicina, deu voz a tal sobriedade: mesmo frustrada com a omissão de Obama na defesa dos muçulmanos, estava disposta a perdoá-lo. “Eu preferia que Obama vencesse. Se ele tivesse dito algo como o que Colin Powell disse, poderia ter perdido”, explicou.
Sayed contou que dois irmãos seus que trabalharam para a campanha de Obama na Pensilvânia, ambos com “nomes muito muçulmanos”, decidiram abordar eleitores em suas casas se apresentando como “Alex” e “John”.
Entre os estudantes, muitos são filhos de microempresários que apoiavam o candidato republicano John McCain. Inúmeros, ainda crianças na época dos atentados de 11 de setembro de 2001, foram surpreendidos pelas provocações dos colegas e ainda mais surpresos ficaram com a segurança policial que se tornou parte da sua rotina escolar durante algum tempo.
Apesar de todas as garantias aparentes para a sua participação no processo político, os estudantes se disseram mais otimistas com o futuro no dia seguinte à eleição.
A eleição mostrou que a promessa da América é real, que a única barreira à participação é a própria inércia e que “agora é hora de progredirmos”, como disse Haseeb Chowdhry, aluno da Escola de Administração Stern, pertencente à Universidade de Nova York. “Amamos este país por sua capacidade de mudar —essa é a sua força”, afirmou.


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