São Paulo, segunda-feira, 30 de março de 2009

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ENSAIO

NATALIE ANGIER

O elusivo mecanismo da memória

Como muita gente, nunca consigo lembrar nenhuma piada. Se ouço ou leio algo hilário, rio e instantaneamente esqueço tudo. Para os estudiosos, a facilidade com que as pessoas esquecem as piadas é uma dessas idiossincrasias que acabam revelando muito sobre a arquitetura subjacente da memória.
E há inúmeros exemplos dos caprichos da memória. Por que, por exemplo, você esquece o aniversário do cônjuge, mas levará até o leito de morte a letra da canção-tema de algum programa ruim da TV? E por que você precisa retalhar dados como números de telefones em pedaços mais previsíveis e gerenciáveis para conseguir lembrá-los? Para entender a memória e suas esquisitices, o neurologista Scott Small, da Universidade Columbia, em Nova York, sugere a familiar analogia com a memória dos computadores: temos a nossa versão do buffer, uma memória de trabalho de curto prazo, com abrangência limitada e alta rotatividade. E temos o equivalente a um botão "salvar": o hipocampo, essencial para traduzir memórias de curto prazo em uma lembrança mais permanente.
Os lobos frontais fazem a função "localizar", abrindo os arquivos salvos para aperfeiçoá-los quando necessário. Os cientistas descobriram que o que distingue o duradouro do transitório são a força com que a lembrança é gravada no cérebro e a espessura e a complexidade das conexões que ligam as populações de células cerebrais. Quando mais profunda a lembrança, mais imediata e robusta será a ativação de um conjunto de neurônios afins.
Esse processo ajuda a explicar por que algumas coisas da vida ficam tão incrustadas na nossa memória. A música, por exemplo. "O cérebro tem uma forte propensão a organizar a informação e a percepção em padrões, e a música vem a calhar para essa inclinação", disse Michael Thaut, professor de música e neurociência na Universidade Estadual do Colorado. Piadas ótimas, por outro lado, subvertem a rotina de reconhecimento de padrões. "As piadas funcionam porque lidam com o inesperado, começam numa direção e depois se desviam para outra", disse Robert Provine, professor de psicologia da Universidade de Maryland e autor de "Laughter: A Scientific Investigation" ("O riso: uma investigação científica"). "O que torna uma piada bem-sucedida são as mesmas propriedades que podem torná-la difícil de lembrar."
Os pesquisadores sugerem razões adicionais pelas quais boas piadas poderiam escapar à captura comum. Daniel Schacter, professor de psicologia da Universidade Harvard, diz que há uma grande diferença entre a rememoração literal de todos os detalhes de um fato e a lembrança apenas do seu sentido geral. "Nós, humanos, somos ótimos para lembrar do essencial, mas temos dificuldades em sermos exatos", disse.
Embora seja possível contar anedotas em linhas gerais, as piadas têm graça ou não por causa de nuances e ritmo. E, embora a excitação emocional costume reforçar a lembrança, ela acaba solapando ainda mais sua atenção para aquela firula necessária. "Um material emocionalmente excitante chama a sua atenção para um objeto central, mas pode tornar difícil a lembrança de detalhes periféricos", disse Schacter.
Se é frustrante esquecer algo novo, pior é esquecer algo que você já sabia. Os cientistas se referem a isso como o "fenômeno ponta da língua", quando você sabe algo, mas não consegue expressá-lo e, quanto mais tenta, mais desobedientes ficam os arquivos. As lembranças podem ser fortalecidas com tempo e muito treino, mas, se há uma parte do sistema que resiste a melhorias, são os nossos buffers, aquela memória operacional em que poucos itens podem ser guardados temporariamente. Muitas pesquisas sugerem que só conseguimos guardar 5 a 9 pedaços de informações por vez na memória de curto prazo.


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