São Paulo, segunda-feira, 30 de maio de 2011

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CIÊNCIA & TECNOLOGIA

Ritmo musical pode estar ligado à fala e à evolução humana

Por PAM BELLUCK
Os cientistas estão tentando entender o que torna a música expressiva, e os resultados estão contribuindo para uma maior compreensão sobre como o cérebro funciona e sobre a importância da música no desenvolvimento, na comunicação e na cognição dos seres humanos.
As pesquisas estão mostrando, por exemplo, que o nosso cérebro entende a música não só como uma distração emocional mas também como uma forma de movimento e atividade. E o que realmente comunica a emoção pode não ser a melodia nem o ritmo, mas mudanças sutis feitas pelos músicos nesses padrões.
Daniel Levitin, diretor do laboratório de percepção, cognição e conhecimento musical da Universidade McGill, em Montreal, começou a explorar a expressão musical de forma rigorosa e científica depois de ouvir uma apresentação ao vivo de uma peça de Mozart.
"Ela me deixou indiferente", disse ele. "Eu pensei, como pode? Um conjunto tão bonito de notas. O compositor escreveu esta peça tão bela. O que o pianista está fazendo para estragá-la?"
Ele e um aluno de pós-graduação, chamado Anjali Bhatara, fizeram Thomas Plaunt, chefe do departamento de piano da McGill, executar trechos dos noturnos de Chopin em um Disklavier, um piano que registrou quanto tempo ele mantinha cada nota, e com que força apertava cada tecla. Os dados foram úteis porque os músicos raramente tocam a música como ela está escrita -eles agregam interpretação e personalidade ao persistirem em algumas notas e liberarem outras rapidamente, ao tocarem algumas em volume mais alto e outras mais suavemente.
As gravações do pianista viraram um modelo, equivalente a 100% da representação musical. Um computador calculou o volume e a duração médios de cada nota, criando uma versão em que a música soava homogênea e minuciosamente ritmada -cada colcheia durando sempre o mesmo intervalo, cada semínima precisamente o dobro de uma colcheia.
Os pesquisadores também criaram uma versão 50%, com o volume e a duração das notas num meio termo entre a média mecânica e o original, e versões a 25%, a 75% e até a 125% e a 150%, nas quais as notas fortes do pianista ficavam ainda mais fortes, e as longas duravam ainda mais.
Participantes ouviram essas versões em ordem aleatória, qualificando o impacto emocional de cada uma. Tanto os músicos quanto os não músicos acharam a versão original do pianista mais comovente, e a versão média menos comovente. E as versões com mais variação do que a original, em 125% ou 150%, não soavam mais comoventes para os ouvintes.
"Acho que isso significa que o pianista tem experiência no uso dessas pistas expressivas", disse Bhatara, pós-doutorando na Universidade Paris Descartes. "Ele está usando essas pistas mais ou menos no nível mais eficiente."
E versões aleatórias, com mudanças arbitrárias na duração e no volume das notas ao longo da música, praticamente, não causaram nenhuma impressão.
Os resultados do trabalho de Levitin sugerem que, quanto mais surpreendentes são os momentos em uma peça musical, mais emoção os ouvintes notam.
Digamos que o violoncelista Yo-Yo Ma esteja tocando uma sonata de 12 minutos, contendo uma melodia de quatro notas que se repetem. Na última repetição, a melodia se expande para seis notas. "Se eu preparar do jeito certo", disse Ma, "é quando o sol aparece".
Mas isso só ocorre, disse ele, se o músico for suficientemente contido a ponto de guardar parte da exuberância e da ênfase para esse momento. "É o desvio de um padrão", explicou.
Numa entrevista, a cantora Rosanne Cash disse que as experiências mostram que belas composições e intérpretes tecnicamente qualificados não são os únicos fatores que importam. A emoção na música depende das imperfeições e dos matizes humanos, "de torcer as notas de certa maneira".
"Você já ouviu muitos cantores excepcionais que deixam você frio", disse ela. "Eles podem fazer ginástica, coisas surpreendentes. Se você tem limitações como cantor, talvez seja forçado a encontrar nuances de uma maneira que não precisaria se tivesse um alcance de quatro oitavas."
Edward Large, cientista da música na Universidade Atlantic, da Flórida, examinou os cérebros de pessoas com e sem experiência tocando música no momento em que escutavam duas versões de um estudo de Chopin: uma delas gravada por um pianista, e a outra reduzida a uma versão literal, sem as variações humanas.
Na versão original, áreas cerebrais ligadas à emoção se ativavam muito mais do que na versão sem inflexões. O mesmo ocorria no sistema neurológico espelho, conjunto de regiões cerebrais ativadas quando uma pessoa vê alguém fazendo atividade que o observador sabe fazer -como dançarinos assistindo a vídeos de dança. Mas, no estudo de Large, as regiões dos neurônios espelhos se acendiam mesmo em não músicos.
Talvez essas regiões, que incluem algumas áreas da linguagem, estariam "estabelecendo empatia", disse ele, "como se você estivesse sentindo uma emoção que está sendo transmitida por um artista no palco", e o cérebro espelha esta emoção.
Regiões envolvidas em atividades motoras, de bordar a correr, também se iluminavam com as mudanças no ritmo e no volume.
Anders Friberg, cientista musical do Real Instituto KTH de Tecnologia da Suécia, descobriu que os padrões de velocidade dos movimentos naturais das pessoas correspondem a mudanças de ritmo musical que os ouvintes qualificam como mais agradáveis. "Eram diferenças bastante sutis, e os ouvintes, claramente, distinguiam entre elas. E não eram ouvintes especializados."
Separadamente, a equipe de Levitin descobriu que crianças autistas, basicamente, consideravam todas as versões dos noturnos como igualmente comoventes. Mas, em outra pesquisa, a equipe descobriu que crianças com autismo eram capazes de rotular a música como feliz, triste ou assustadora, sugerindo, segundo Levitin, que "seu reconhecimento das emoções musicais pode estar intacto, sem que necessariamente elas evoquem essas emoções".
Os estudos de Levitin e Large chegaram igualmente à conclusão de que, na percepção emocional dos ouvintes, o momento de cada nota era mais importante do que seu volume.
Isso pode ser resultado da adaptação evolutiva, disse Nina Kraus, neurobióloga da Universidade Northwestern. "Um sistema nervoso sensível e afinado com as diferenças de tempo seria um sistema nervoso, do ponto de vista evolutivo, mais susceptível a escapar de potenciais inimigos, a sobreviver e a fazer bebês", afirmou.
E o ritmo musical pode estar relacionado ao ritmo da fala. "A diferença entre o B e o P é uma diferença no tempo envolvido na produção do som", disse Aniruddh Patel, cientista musical no Instituto de Neurociências de San Diego.
Geoff Emerick, engenheiro de som dos Beatles, disse: "Muitas vezes, quando estávamos gravando alguma daquelas faixas rítmicas dos Beatles, podia haver um erro incorporado, e você dizia: 'Esse erro soa bastante bem' [...]. Quando tudo está no ritmo, o ouvido e a mente tendem a ignorar."
Embora possa haver algum consenso sobre o que torna a música expressiva, os artistas dizem que isso é quase imutável.
Como Cash disse: "Algumas coisas são inefáveis; algumas coisas são simplesmente parte desse mistério que é de onde vem toda a energia criativa -ela faz parte da alma".


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