São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Engano em massa

SÃO PAULO - A mídia britânica ficou alarmada com a decisão do juiz Hutton de inocentar o primeiro-ministro Tony Blair e de culpar a BBC pelo episódio em que a rede pública denunciou o governo por, supostamente, inflar o risco de o Iraque possuir armas de destruição em massa.
A idéia predominante fica clara na frase de Jeremy Dear, secretário-geral do sindicato dos jornalistas:
"O relatório (do juiz Hutton) é grosseiramente parcial e faz pesar uma ameaça sobre o futuro do jornalismo de investigação".
Exagero à parte, fica difícil, de fato, entender como o governo pôde ser inocentado.
Vamos aos fatos. Fato um: o governo chegou a dizer que o Iraque, em 45 minutos, poderia ter disponíveis armas de destruição em massa.
Falso. Se pudesse, por que, então, se rendeu tão facilmente?
Fato dois: depois de nove meses de ocupação, nem norte-americanos nem britânicos conseguiram descobrir uma única arma do gênero. Logo, só se pode concluir que houve um baita exagero na argumentação de ambos os governos.
É até possível que a reportagem específica da BBC tivesse defeitos técnicos, como não ouvir o governo ou fiar-se apenas em uma fonte. De todo modo, se a BBC errou no varejo, acertou no atacado: o governo exagerou a ameaça iraquiana, ainda que o tenha feito de boa-fé.
É sintomático que, no mesmo momento em que o juiz britânico inocenta Blair e culpa a BBC, o especialista norte-americano David Kay tome rumo inverso: aponta a escassa possibilidade de que o Iraque possuísse as tais armas.
Tudo somado, ainda vale o título de capa da revista "The Economist" de 4 de outubro: em vez de "weapons of mass destruction" (armas de destruição em massa), a revista dizia, sob as fotos de Blair e Bush, que eles eram "wielders of mass deception" (algo como "portadores de engano em massa").



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