São Paulo, terça-feira, 01 de março de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Amarrando o jegue na Esplanada

ROBERTO JEFFERSON

O Partido Trabalhista Brasileiro vai votar contra a medida provisória 232, que elevou a tributação sobre os prestadores de serviços e outros setores. E por que vai agir assim? Afinal, somos um partido da base de sustentação do governo e até aqui cumprimos à risca os compromissos assumidos no Congresso e em manifestações públicas. Os mais apressados poderão argumentar que o PTB está fugindo à sua responsabilidade perante o governo. Mas não estamos.


Se o episódio da eleição à presidência da Câmara ensinou a todos, ao vencedor trouxe uma imensa responsabilidade


O "não" do PTB deve ser, no entanto, mais bem qualificado. Disciplinado e cumpridor de acordos que faço em nome do meu partido, votei em Luiz Eduardo Greenhalgh para a presidência da Câmara. Votei pela razão, não pelo coração. Se o fizesse pelo coração, seria mais um a engrossar o saldo da vitória de Severino Cavalcanti. Tenho 23 anos de mandato e nunca havia presenciado uma derrota das elites parlamentares de tal magnitude, uma vitória de baixo para cima, fato rico em aprendizado. Essa vitória encerra uma lição e nos remete a duas questões centrais.
O que esteve em jogo nessa eleição? A dificuldade cada vez maior do Congresso de fechar com uma política econômica que vem privilegiando o capital financeiro em detrimento do produtivo. Essa opção desvirtua o projeto de nação, que deveria nascer comprometido com a justiça social e a busca por maior eqüidade. Quando oposição, essa era a bandeira do PT.
O PTB é, de origem e compromisso, o partido do trabalho. Não podemos mais ir contra nossa essência. Os brasileiros estão cansados. Já deram seu basta.
E nós? Cabe a nós, parlamentares, filtrar os anseios da sociedade. Os "severinos" são a cara do Brasil, uma gente simples. A Câmara dos Deputados parou três meses, logo após o pleito municipal, por causa da emenda da reeleição da mesa diretora, uma briga interna do PT pela disputa do governo de São Paulo, tornando todo o Brasil caudatário dos seus destinos.
A segunda questão dessa vitória remete a outro tipo de insatisfação, mas de mesmo quilate. Severino chegou à presidência em conseqüência da saturação provocada por práticas autoritárias que vêm desgastando uma parceria política que deveria dar o arremate à construção de um projeto de desenvolvimento sustentado para o país. O governo deve perceber que o momento pede uma inflexão -sensibilidade política?
Há setores do PT que muito se assemelham em suas práticas políticas às do ex-presidente Collor, quando desprezam o Legislativo e mostram desapreço pelos aliados. Um pouco mais à frente, a título de ilustração, é bom lembrar a final armada contra Ciro Gomes, em 2002 (São Paulo x São Bernardo, ou seja, Serra x Lula), sustentada no discurso de que o atual ministro da Integração Nacional tinha as mesmas práticas machistas do ex-presidente nordestino. Vejo o mesmo autoritarismo hoje se repetir. Naquele momento, o PSDB satanizou Ciro Gomes.
E hoje? O jogo está sendo armado de novo. Desta feita, o que nos reservará 2006? São Paulo x São Bernardo ou Pindamonhangaba x São Bernardo? Mudam os personagens, mas o enredo será o mesmo. E o Brasil pede novos atores e um desfecho menos vinculado aos interesses das elites financeiras paulistas.
Mantive o voto a Greenhalgh, mas o PTB aprendeu. Percebeu que ser da base não é perder a identidade, mas preservá-la, com consistência e buscando fortalecer os laços do partido com a sociedade. E, se o episódio da eleição à presidência da Câmara ensinou a todos, ao vencedor trouxe uma imensa responsabilidade. Dele se espera que lute pela independência do Legislativo em relação a várias questões sensíveis. Deve pôr um freio e instituir regras claras e sensatas com relação às MPs, como desejam seus pares. E deve fugir do modelo fácil de advogado de sindicato, apenas preocupado com a defesa de interesses corporativos. O PTB não vai apoiar o aumento do salário dos parlamentares. Julgamos que não é isso o que a sociedade espera que façamos neste momento tão complexo.
Cabe a Severino atuar como magistrado intransigente na luta pela garantia de que a produção não continuará sendo sufocada pelo capital financeiro. E que os brasileiros que estão pagando a conta dos juros e da escalada tributária tenham a certeza de que ganharam um aliado na defesa dos seus interesses. Vamos contra a MP 232.
Que Severino não se apequene, transformando-se em um "estadista de Mombaça", mas, ao contrário, que se inspire na imagem dos vitoriosos da Revolução de 1930, que nos libertaram do jugo da política do café-com-leite e levaram o país a um novo ciclo econômico. E, assim como os brasileiros de 1930 amarraram seus cavalos no obelisco da avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, que ele, Severino, amarre o seu jegue na Esplanada dos Ministérios.
Cabe a ele, agora, como presidente da Câmara, finalmente provar se o presidente Lula tinha mesmo razão quando disse que lá se abrigavam 300 picaretas. Afinal, o Brasil tem mais "severinos" que "greenhalghs". Tomara que eles derrotem as expectativas preconceituosas das elites.

Roberto Jefferson Monteiro Francisco, 51, advogado criminalista, deputado federal pelo PTB-RJ, é o presidente nacional do partido.


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