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CARLOS HEITOR CONY
Tempo de sangue
RIO DE JANEIRO - Havia um jornal no Rio cuja especialidade era
cobrir assuntos policiais -numa
época em que a violência não havia
atingido os níveis de hoje. Era mais
barato do que os concorrentes e
vendia bem. O sujeito roubava uma
galinha num quintal de Marechal
Hermes e tinha foto na primeira página, era apontado à execração pública. Mas o que predominava eram
os crimes de sangue, sobretudo os
adultérios e pecados afins.
Os órgãos de imprensa mais sérios, e os leitores igualmente sérios,
diziam que, se espremessem o jornal com força, pingaria sangue de
suas páginas. Lembro a manchete
que fez sucesso: "O sangue correu
na noite de núpcias". Não se tratava
de um duplo sentido: no casamento
de um bancário, em Olaria, o pau
comeu a noite toda e houve feridos
em diversas gradações, inclusive a
noiva, que foi internada e precisou
de uma transfusão de sangue.
Os noticiários da TV, com o aumento da violência, estão pingando
sangue. Uns pelos outros, pelo menos um terço do tempo é dedicado a
assaltos, conflitos da polícia com
traficantes e vice-versa. Ninguém
mais rouba galinhas dos quintais
-não há quintais, e as galinhas já
chegam preparadas nos supermercados, as mais sofisticadas com um
termômetro na barriga para avisar
que já estão assadas.
Semana passada, num dos telejornais com melhor ibope, contei
cinco notícias seguidas de casos policiais, nenhum deles importante:
crimes mixurucas, rixas de vizinhos, brigas de bar, um sujeito que
não pagou o que devia e levou uma
facada, foi socorrido no Souza
Aguiar.
Curiosamente, os adultérios fornecem pouca matéria-prima. Ainda
existem, mas de duas uma: ou são
de gente conhecida e o noticiário
tende a esconder a surra que a mulher levou; ou são da plebe ignara e
ocupam pouco espaço.
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