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CARLOS HEITOR CONY
O cão e o gato
RIO DE JANEIRO - Luís Edgar de Andrade me lembra que hoje, no primeiro dia de maio, o Otto Lara Resende estaria comemorando os seus
80 anos.
Pensando bem, acho que o Otto nada comemoraria. Os outros, seus
amigos e admiradores, é que não
iriam deixar que a data passasse sem
a devida e merecida comemoração.
Ao ser convidado para escrever a
coluna Rio na página 2 da Folha, ele
nos deixou uma das melhores crônicas da literatura brasileira e do nosso
jornalismo: ""Bom dia para começar". Era também um 1º de maio, e
Otto inaugurava um gênero novo de
coluna.
Com o estilo perfeito, sofisticado,
tão natural nele que nem parecia estilo, Otto comentava política, economia, história, comportamento, cultura e a própria vida pessoal com um
desembaraço que logo cativou os leitores.
Sei o que estou dizendo. Dentro daquela regra imutável, segundo a
qual, de hora em hora, Deus piora,
vim ocupar o seu lugar neste canto
de página, mas sem substituí-lo. Para quem não tem cão, o jeito é arrumar um gato para caçar.
Perderam os leitores, perdemos o
Otto, que era também uma grande
figura humana, maior do que aquele
cachorro do ex-ministro Magri, que
também era uma grande figura humana.
Na habitual distorção da mídia,
Otto costuma ser citado como um
frasista -e ele o foi, certamente, e
dos melhores, dos mais contundentes. Bem mais do que isso, porém, foi
um contista admirável e um romancista que, apesar de sua única obra
("O Braço Direito"), terá permanência garantida.
Levando adiante a trilha aberta
por Raul Pompéia em ""O Ateneu",
Otto revelou-se um mestre que soube
captar o interior do homem, mistura
de carne e espírito, braço direito e esquerdo, que constrói e desconstrói
um enigma que nunca saberemos
decifrar.
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