São Paulo, quarta-feira, 01 de maio de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

O cão e o gato

RIO DE JANEIRO - Luís Edgar de Andrade me lembra que hoje, no primeiro dia de maio, o Otto Lara Resende estaria comemorando os seus 80 anos.
Pensando bem, acho que o Otto nada comemoraria. Os outros, seus amigos e admiradores, é que não iriam deixar que a data passasse sem a devida e merecida comemoração.
Ao ser convidado para escrever a coluna Rio na página 2 da Folha, ele nos deixou uma das melhores crônicas da literatura brasileira e do nosso jornalismo: ""Bom dia para começar". Era também um 1º de maio, e Otto inaugurava um gênero novo de coluna.
Com o estilo perfeito, sofisticado, tão natural nele que nem parecia estilo, Otto comentava política, economia, história, comportamento, cultura e a própria vida pessoal com um desembaraço que logo cativou os leitores.
Sei o que estou dizendo. Dentro daquela regra imutável, segundo a qual, de hora em hora, Deus piora, vim ocupar o seu lugar neste canto de página, mas sem substituí-lo. Para quem não tem cão, o jeito é arrumar um gato para caçar.
Perderam os leitores, perdemos o Otto, que era também uma grande figura humana, maior do que aquele cachorro do ex-ministro Magri, que também era uma grande figura humana.
Na habitual distorção da mídia, Otto costuma ser citado como um frasista -e ele o foi, certamente, e dos melhores, dos mais contundentes. Bem mais do que isso, porém, foi um contista admirável e um romancista que, apesar de sua única obra ("O Braço Direito"), terá permanência garantida.
Levando adiante a trilha aberta por Raul Pompéia em ""O Ateneu", Otto revelou-se um mestre que soube captar o interior do homem, mistura de carne e espírito, braço direito e esquerdo, que constrói e desconstrói um enigma que nunca saberemos decifrar.



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