UOL




São Paulo, quinta-feira, 01 de maio de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OTAVIO FRIAS FILHO

Limites do império

Depois da guerra contra o Iraque, que consumou o unilateralismo dito preventivo da nova política externa americana, passou a ser comum a impressão de que a ONU perdeu importância. Lamentou-se o golpe sofrido pelo Conselho de Segurança, apresentado em algumas análises como se fosse representante do conjunto das nações ou árbitro do bem e do mal.
Essas noções talvez devessem ser mais bem focalizadas, para usar o jargão da moda. Afora o valioso trabalho que as Nações Unidas desenvolvem em áreas de cooperação humanitária, seu papel estratégico sempre foi retórico, decorativo. A Assembléia Geral, sua instância máxima, não tem poderes. A ONU não é uma democracia nem foi concebida como tal.
Quando de sua gestação, logo após a Segunda Guerra, evitou-se reincidir nas fantasias bem-intencionadas que anularam a Liga das Nações, o malfadado organismo que a precedeu nos anos 20 e 30. Estabeleceu-se que na ONU o poder de direito estaria reservado aos países que detinham o poder de fato, os vitoriosos na guerra contra o nazi-fascismo.
A esses países foi assegurada a condição de membros permanentes e com direito de veto no Conselho de Segurança, este sim um organismo com poder real, desde que o clube vote unido. Tal prerrogativa, conferida a Estados Unidos, União Soviética, Inglaterra, França e China, foi facilitada pela ampla aprovação política e moral que cercava sua recente vitória.
Ao longo dos anos seguintes, o poder do Conselho de Segurança foi reforçado pelo fato de que seus membros passavam a ser também os únicos sócios de outro clube, o dos países dotados de armas nucleares. Mesmo assim, o Conselho revelou-se muito pouco operante. Os aliados da Segunda Guerra logo formaram dois blocos antagônicos que se vetavam mutuamente.
Na prática, o Conselho de Segurança funciona em casos periféricos, nas raras ocasiões em que nenhuma das potências tem compromissos num conflito específico e em que todas se colocam, por isso mesmo, de acordo. Nos casos relevantes, cada potência vem agindo de acordo com seus interesses sem que o Conselho possa coibi-la, paralisado pelo direito de veto.
Feitas essas ressalvas, porém, talvez seja precipitado tocar um réquiem pelo Conselho e pela ONU. Apreensivas com o agressivo desembaraço da política norte-americana, relegadas a uma posição secundária do ângulo militar, as demais potências tenderão a fortalecer o recurso às instâncias multilaterais de diplomacia e negociação.
Mas não seria essa a fonte de um eventual renascimento do CS. A insistência dos Estados Unidos em obter seu respaldo mostra que até mesmo a atitude imperial busca legitimação no mundo contemporâneo. É a opinião pública internacional, mais informada e menos disposta a tolerar guerras, quem pode impor freios à superpotência e manter vivo o ideal da ONU.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Dona Baratinha
Próximo Texto: Frases

Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.