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CARLOS HEITOR CONY
Questões graves, gravíssimas
RIO DE JANEIRO - No velho Maduro,
um parque de discutíveis águas minerais do Lins de Vasconcelos, que o
Max Nunes também frequentava,
um oráculo adivinhava o bicho que
iria dar na extração da tarde. Era
uma romaria em busca do Badu
-que em tempos idos havia sido beque do América Futebol Clube.
Teve um problema no joelho, aposentou-se, instalou-se numa pequena
tenda dentro do Maduro e ali dava
audiências, anunciando a quem o
procurava o bicho que seria sorteado.
Como variava de bicho de acordo
com o cliente, sempre acertava algum
e recebia uma pequena comissão,
que religiosamente ele jogava no bicho e invariavelmente perdia.
Nos últimos dias, mesmo sem ter sido beque do América e sem morar
sob uma tenda, sou consultado na
rua, nas esquinas e até em entrevistas
com alunos de comunicação sobre o
próximo presidente da República.
Levo uma vantagem sobre o Badu.
Ele tinha de opinar sobre um universo de 25 bichos, da águia à vaca, passando pelo veado, pelo tigre, pelo urso, pela borboleta e pelo jacaré. Troço
pra burro. Eu disponho de um universo mais reduzido: Lula, Serra, Ciro, Garotinho e Enéas. Mesmo assim,
fico embananado. No início, adotei a
técnica do Badu, mudando de candidato de acordo com as circunstâncias, com o auditório e com o pedinte.
Como todo mundo está fazendo a
mesma coisa, resolvi inovar, adotando um ar misterioso de quem sabe
das coisas mais e melhor do que os
outros. Como aquele personagem do
Eça, que era considerado um sábio
porque, sobre todas as questões, morais, políticas, religiosas, econômicas,
científicas ou esportivas, ele se limitava a dizer, com voz soturna: há questões graves... questões gravíssimas!
Todos se calavam diante de tamanha autoridade. Qualquer que fosse
a situação, todos eram obrigados a
concordar com a majestade daquela
opinião.
Abandonei o processo do Badu e
adotei o do personagem de Eça. Há
questões graves, gravíssimas!
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