São Paulo, sábado, 01 de junho de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

Questões graves, gravíssimas

RIO DE JANEIRO - No velho Maduro, um parque de discutíveis águas minerais do Lins de Vasconcelos, que o Max Nunes também frequentava, um oráculo adivinhava o bicho que iria dar na extração da tarde. Era uma romaria em busca do Badu -que em tempos idos havia sido beque do América Futebol Clube.
Teve um problema no joelho, aposentou-se, instalou-se numa pequena tenda dentro do Maduro e ali dava audiências, anunciando a quem o procurava o bicho que seria sorteado. Como variava de bicho de acordo com o cliente, sempre acertava algum e recebia uma pequena comissão, que religiosamente ele jogava no bicho e invariavelmente perdia.
Nos últimos dias, mesmo sem ter sido beque do América e sem morar sob uma tenda, sou consultado na rua, nas esquinas e até em entrevistas com alunos de comunicação sobre o próximo presidente da República.
Levo uma vantagem sobre o Badu. Ele tinha de opinar sobre um universo de 25 bichos, da águia à vaca, passando pelo veado, pelo tigre, pelo urso, pela borboleta e pelo jacaré. Troço pra burro. Eu disponho de um universo mais reduzido: Lula, Serra, Ciro, Garotinho e Enéas. Mesmo assim, fico embananado. No início, adotei a técnica do Badu, mudando de candidato de acordo com as circunstâncias, com o auditório e com o pedinte.
Como todo mundo está fazendo a mesma coisa, resolvi inovar, adotando um ar misterioso de quem sabe das coisas mais e melhor do que os outros. Como aquele personagem do Eça, que era considerado um sábio porque, sobre todas as questões, morais, políticas, religiosas, econômicas, científicas ou esportivas, ele se limitava a dizer, com voz soturna: há questões graves... questões gravíssimas!
Todos se calavam diante de tamanha autoridade. Qualquer que fosse a situação, todos eram obrigados a concordar com a majestade daquela opinião.
Abandonei o processo do Badu e adotei o do personagem de Eça. Há questões graves, gravíssimas!



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